27.7.17

O parto – parte V


O parto – parte I, aqui.
O parto – parte II, aqui.
O parto – parte III, aqui.
O parto – parte IV, aqui.

Nervosa não estava porque tinha ali a minha médica em quem confio plenamente, mas aquele médico estava a vê-lo pela primeira vez e aquilo chateou-me. Apeteceu-me perguntar “então??!”. Não me parece nada sensível que um médico diga estas “onde é que está a lâmina?” com a parturiente a ouvir.

Mas tenho de ser honesta. Não sei quando foi feita a episiotomia, quem fez a episiotomia, não senti nada de nada de nada. Se me tivessem soprado para a cara teria doído mais. Abençoada epidural!

Com toda a equipa preparada na sala, demos início à sessão “quando eu disser faz força!”. E eu fiz. Fiz toda a força que tinha, de forma quase desumana. A herdeira descia com a força e subia quando eu interrompia o esforço. A ventosa estava a ser difícil de usar. Em pouco tempo recomeçou o meu calvário: dores nas partes baixas nada, epidural impecável, mas as dores no estômago já eram de trepar as paredes de fazer força e eu não estava a aguentar. Mas mesmo. Comecei a sofrer realmente.

Às tantas, não sei o que aconteceu ali, na altura não tive consciência, mas olhando para trás vejo que a equipa ficou cheia de pressa para aquele parto acontecer de uma vez, e era uma pressa que não era para ir apanhar o autocarro. A Enfª Joana Machado olhou para mim e disse que ia ter de fazer pressão na barriga.

E vi-me alvo de uma coisa que toda a vida condenei: a força de um braço e o peso de um adulto sobre a minha barriga de 42 semanas. Se antes do parto me dissessem que iam fazer isto, eu proibia. Juro que proibia. Mas ali nunca me senti vítima de violência obstétrica, acho que foi mesmo algo que precisavam de fazer. O problema é que foi absolutamente intolerável para mim do ponto de vista de resistência.

Imaginem que alguém vos dá um murro na barriga. Antes de o murro chegar, se estiverem à espera, a primeira coisa que fazem é contrair o músculo. Agora experimentem respirar, grávidas de 42 semanas, com dores de estômago, um adulto a pressionar a barriga e a minha barriga a fazer a contrair no reflexo de resposta à pressão. Não respiram. De todo. É impossível controlar o reflexo à força de um braço, tal como é impossível não piscar os olhos se alguém soprar lá para dentro.

A única coisa que eu dizia (e mal porque a pressão na barriga limita o som da voz) era: “não consigo respirar!”. E não conseguia. Foi difícil. Foi tão difícil conseguir uma expulsão ainda que eu não tivesse qualquer sombra de dores de parto.

Não sei quanto tempo durou esta impossibilidade de respirar, mas estava a desesperar como se estivesse a ser sufocada e…

… apaguei.

Não sei para onde fui, deixei de estar lá, há um momento do parto que não sei se são breves segundos ou mais do que isso, dos quais não tenho qualquer lembrança, é uma folha em branco. Foi um total blackout por mais que me esforce – e oh!, se já me esforcei – não há nada, absolutamente nada que venha à memória.

Ainda de olhos fechados voltei a uma semi-consciência ao sentir que algo saía de mim, quase como se estivesse a ser puxado um tampão grande. Abri mais ou menos os olhos, deitaram a minha filha na minha barriga, toda a sala de partos era uma festa, boa disposição, e eu com uns momentos em branco, sem perceber o que me tinha acontecido ao mesmo tempo que já não me importava em saber, a Carminho estava cá fora e bem.

E eu chorei. “De emoção”, devem ter pensado na sala de partos porque a isso estão habituados. Mas não, foi de alívio, estava fisicamente esgotada. Aquilo é tudo de uma violência para o corpo que não tenho palavras para descrever. Nunca chorei de emoção, foi de “acabou!”, mais ou menos como quando rompem em lágrimas os corredores que finalmente chegam ao fim da maratona.

Rapidamente foram buscar o PAM à sala de espera, a Carminho estava numa espécie de berço com uma luz quente a ser vestida. Conta ele conta que quando entrou aquilo parecia um matadouro. Era sangue por todo o lado, uma placenta enorme em cima da mesa, a minha médica a felicitar o PAM dizendo que tinha a cara dele, tudo em conversa animada e descontraída como se estivessem num café e eu deitada a ver a miúda ao longe, já muito mais aliviada.

À minha frente, de caras para o meu pipi, a Dra. Catarina Gama Pinto disse: “ora, vamos lá pôr isto como estava!”, enquanto ela e o colega trocavam opiniões sobre costuras. Verdade seja dita, ficou uma impecável obra de arte, preciso de um espelho e de procurar onde ficou o corte.

Ainda hoje não sei como é que a Carminho nasceu, se fui eu que fiz força, se foi a pressão na minha barriga que a fez sair. Na altura não foi importante, uma pessoa quer lá saber, importa é que tudo corra bem e lamber a cria. Mas depois de algumas semanas em casa perguntei-me e continuo a perguntar-me o que me aconteceu.

Seis semanas depois fui fazer um check-up, contei a minha perda de consciência, quase poderia jurar que me tinham dado alguma droga na recta final, mas não, não me deram nada nem deram por nada. Isto intriga-me imenso, mas segundo me explicou a médica terá sido um mecanismo do corpo, como se entrasse em transe.

O relato pode parecer horrível, mas eu adorei o meu parto, à excepção do PAM não poder ter assistido à recta final e às dores de estômago. Tenho muita pena que a herdeira estivesse na garganta o que obrigou ao uso da ventosa e à tal pressão que arrumou comigo, mas todo o processo até ali foi impecável como se tivesse pedido na lista de um menu.

Só o fim foi infernal, não conseguir respirar foi desesperante como se me tivessem colocado uma almofada na cara e a expulsão é uma incógnita. Terá sido tão difícil que fui para parte incerta e voltei, mas gostei tanto da experiência que gostava de repetir o mesmo parto outra vez, desta vez sem a chatice do desconhecimento, podendo ser mais observadora (e sem a necessidade de ventosa e braços). A experiência deve mudar muito para quem vai à segunda volta.

No seu todo, olho para trás e acho que o meu parto foi fantástico. Aconteceu no Hospital de Cascais, como eu planeei. Aconteceu com a minha médica (que adoro, adoro) como era meu desejo e que estando apenas uma vez por semana no hospital, é obra. Foi um parto normal, como eu queria. Apanhei uma equipa (enooorme) absolutamente fantástica e memorável. Tive acesso à epidural, como eu queria, com reforço rápido de todas as vezes que pedi. Calhou-me um quarto só para mim, como era meu desejo. Parecia que tinha feito uma lista de desejos e que por sorte todos estavam a ser correspondidos. E por isso mesmo, se voltasse a ter filhos (na loucura) não voltaria ao Hospital de Cascais.

Senti-me completamente bafejada pela sorte e esse é um factor falível, com que não se pode contar sempre. Senti que tinha uma qualquer estrela a corresponder aos meus pedidos enquanto por outro lado me castigava com comida de hospital. Por tudo isto, por me ter sentido bafejada pela sorte, numa próxima vez (só na loucura) eu trataria de fazer um seguro extra só para o parto e agendava uma indução num hospital privado com todas as mordomias que embora a falta delas não me tenham matado, fazem muita diferença. A maior delas é a possibilidade de ter o pai da criança o tempo todo ao meu lado. No Hospital de Cascais até o pai tem de respeitar o horário das visitas e na hora de ir embora a tristeza e o choro que se assomava deixava-me arruinada numa altura tão frágil. Isso sim foi pior que qualquer dor de parto e não volto a passar por esse tipo de ausência.

A Carminho nasceu no dia 2 de Março de 2017 às 23H06 e agora, quase com 5 meses, está este docinho que eu adoro.


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© A Maçã de Eva

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