4.7.17

O parto – parte IV



O parto – parte I, aqui.
O parto – parte II, aqui.
O parto – parte III, aqui.

Importa dizer que quatro dias antes do parto fui parar às Urgências de madrugada cheia de dores no estômago. Comecei a ficar com dores pela hora de jantar, bebi chá, procurei uma posição confortável (se é que isso é possível quase às 42 semanas), procurei dormir, mas pelas duas da matina acordei com dores violentas. Parecia que tinha mil agulhas a picar-me o interior do estômago, nem conseguia esticar o tronco, andava curvada sobre mim mesma e com dificuldade para respirar. Foi tão mau quanto dores de parto sem epidural.

Dado o meu estado, lá rumámos a meio da madrugada para o Hospital de Cascais. Chegando, fizeram-me uma bateria de análises e controles das partes baixas, eu sabia que não estava em trabalho de parto, o meu problema era no estômago. Estive algumas horas a soro, deram-me medicação, a coisa suavizou e eu pude voltar a respirar com normalidade. Pelas 6h quando voltei para casa ainda não estava impecável, mas já muito confortável e dormi até à hora de almoço do dia seguinte.

Isto para dizer que o meu estômago não andava famoso por esses dias, eu tinha tomado o pequeno-almoço às 8H, pelas 18H não havia qualquer resquício de comida em mim e as dores de estômago deram sinal do seu regresso. Comecei a desesperar de dores com uma epidural que funcionava da cintura para baixo, mas terrível da cintura para cima. Isto foi a minha vida: ah e tal, dores de parto foi tranquilo, as dores de estômago é que me iam matando!

Trágico. Ninguém passa por isto.

Comer não me deixavam e mesmo que pudesse, provavelmente não seria a solução. Deram-me então um qualquer revestimento para o estômago, uma saqueta que parecia ter um creme para comer, comi aquilo tudo e melhorou, embora não tenha ficado como nova.

Dei continuidade aos exercícios na bola de pilates, fui conversando com o PAM, estávamos animados e expectantes, até que fomos interrompidos por gritos de terror que se ouviam atrás da porta.
Juro que a nossa disposição estava nos píncaros. Quando ouvi aqueles berros de terror que ainda hoje me lembro, ficámos em silêncio com a disposição no chão. Não há palavras para aquilo que eu ouvi e a aflição que me fez. Se me dissessem que estava ali uma mulher sem pernas vítima de um atentado terrorista, eu acreditava. Ouvir aqueles gritos de terror dignos de espectáculo medieval, foi uma péssima experiência.

Nisto, a Enfª Joana Machado regressou ao quarto para ver as minhas partes baixas e eu tive de perguntar o que se passava lá fora. Era uma mulher que tinha dado entrada em avançado trabalho de parto. Pelo que explicou era o segundo ou terceiro filho, não lembro, dirigiu-se ao hospital logo que rebentaram as águas, mas a dilatação desencadeou-se à velocidade da luz e chegou num estado de descontrole de dor que não conseguiam sequer dar-lhe uma epidural.

Quando me lembro daqueles gritos até fecho os olhos de aflição. Nunca mais me esqueci desta mulher que nunca vi.

Mas voltando a mim, a Enfª lá vistoriou as partes baixas e anunciou: dilatação completa! Mas com a herdeira algures no esófago que nunca desceu com os exercícios, disse-me que tínhamos de encarar a realidade: a minha criança não ia nascer sem ajuda. O discurso era optimista, confessou que quando dei entrada tinha “cesariana” escrito na testa (não sei o motivo, nunca me disseram isto antes), o trabalho de parto tinha corrido lindamente e feito a dilatação completa em cerca de 10 horas, mas a cria não ia descer, ia precisar de uma ventosa e quando mete instrumentos o parto tem de ser feito por médicos, pelo que a minha médica, a Dra. Catarina Gama Pinto ia fazer o parto, mas a Enfª Joana Machado ia lá estar do meu lado.

A parte mais triste é que quando o parto é instrumental, o pai não pode assistir. Fiquei cheia de pena, mas ao mesmo tempo eu estava tão cansada, já só queria arrumar o assunto e fazer a criança nascer de uma vez por todas, pelo que o cansaço não deu muita oportunidade à tristeza para se instalar.

E eis que entra uma bateria de pessoas na minha sala de partos. Mas imensas! Eu nem sei quantas eram. Seis? Oito? Mais? Eu achava que era uma coisa mais tranquila do que dois médicos, pelo menos três enfermeiras, uma pediatra e não lembro mais.

Cada um ocupou as suas posições e começou a preparar o respectivo trabalho que se avizinhava. O PAM foi lá convidado a sair, levaram-no para a sala de espera, onde só o iriam buscar cerca de 30 minutos depois.

A mim colocaram-me em posição, encaixaram uns braços na marquesa para me ajudar a puxar por eles enquanto fazia força, explicaram como tudo se ia processar, a Enfº Joana estava do meu lado esquerdo, a minha médica virada para o meu pipi, ao lado dela e com a mesma vista um colega (homem) que foi ajudar.

O médico, novo e com bom aspecto, olhou para uma mesa de instrumentos e perguntou em bom som: "onde é que está a lâmina?".

Porreiro. É tudo o que uma grávida de primeira viagem precisa de ouvir. Não acho que tenha sido má prática profissional, mas senti ali alguma insensibilidade que levou a minha médica a lançar um olhar e a dar uma cotovelada no colega em jeito de "vê lá se te calas". 

Vou atribuir o episódio a insensibilidade masculina. Levantei os braços, entrelacei os dedos atrás da cabeça como quem apanha sol nas Caraíbas, respirei fundo de pipi escancarado para a plateia da sala de partos, fixei o tecto e esperei pelo melhor.

(continua)

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© A Maçã de Eva

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