7.6.17

O parto – parte II



O parto – parte I, aqui.

E eis que entrou na sala de partos a Dra. Fátima Pinhal, um anjo caído do céu. Sortuda a de qualquer parturiente que se cruzar com esta médica anestesista. Impecável, solidária naquele momento de dores, super explicativa, não fez nada sem informar. Se eu pudesse escolher uma anestesista a régua e esquadro, a Dra. Fátima preenchia todos os meus requisitos. Se na loucura viesse a ter mais filhos, adorava que voltasse a ser a minha médica anestesista. Mas é que gostei mesmo, mesmo, dela.

O PAM saiu do quarto para eu poder receber a epidural (assim obrigam), prepararam-me, o processo exigiu colaboração da minha parte para poder dizer “agora!” e marcar o momento em que podia avançar sem eu estar a contorcer-me de dores. A epidural doeu zero, mas zero, zerinho. A única coisa que senti foi a picada da anestesia, tão má como um alfinete de nada quando às vezes nos picamos num dedo. Tirar sangue é muito pior.

A Dra. Fátima avisou que ia sentir um frio correr nas costas, senti de facto e a partir daí foi abraçar o estado zen. Ao fim de 10 minutos a coisa estava muito mais simpática, ao fim de 20 minutos melhor ainda, ao fim de meia-hora sentia o efeito da epidural na sua plenitude. Aaah…, eu parecia outra, assim está bem! Erga-se um altar a quem inventou a epidural. Recebeu um Nobel da Medicina? Alguém tem de tratar disso, mudou a vida de muita gente.

Para a epidural recebemos uma anestesia local (a tal picadinha de nada) entre duas vértebras da coluna lombar. A seguir é inserido um pequeno tubinho, o cateter epidural, e tudo é preso às costas com fitas (que mais tarde nos arrancam a penugem toda da pele, mas tudo por uma boa causa). Nesta altura fazem logo o aviso para não arrastarmos as costas na cama, sob pena de o cateter se desprender, o que é sinónimo do regresso da dor em todo o seu esplendor. Se precisarmos de nos mexer temos de levantar as costas e não arrastá-las na cama, nunca se esqueçam disto! Conheço uma pessoa que teve o azar de fazer sair o cateter antes da expulsão, já não havia solução e depois é que foram elas. Como eu já sabia deste caso, tentava mexer-me o mínimo possível não fosse o cateter sair. Oh, quantas vezes me lembrei disto!

Com tudo pronto, finalmente o anestésico é injectado através do cateter e chega aos terminais nervosos bloqueando a dor da cintura para baixo. De sonho! Não há como explicar isto, eu sentia tudo mas não doía. E foi uma coisa como deve ser, porque já li descrições de mulheres que ficaram com insensibilidade completa e dormentes, o que é uma chatice para colaborar.

Mas ao fim de menos de uma hora as dores começaram a regressar. Fiquei cheia de medo que não estivesse a resultar (há casos em que a epidural não resulta), que o cateter tivesse saído, agarrei-me logo ao botão para chamar a enfermeira e com ela veio a minha médica. Dores, dores, dores, os restos da anestesia não estavam a ser meigos comigo. O incrível disto das contracções é que quando o efeito da anestesia passa, passa mesmo! Eu imaginava que o efeito ia desaparecendo de forma gradual, mas não!, para mim desaparecia de uma contracção para a outra!

A Dra. Fátima Pinhal regressou em menos de nada e explicou que tinha dado uma dose pequena para não desacelerar o trabalho de parto, reforçando o anestésico que agora sim ia durar umas horas (e durou exactamente o que indicou, com precisão de minutos). Erradamente eu achava que de cada vez que precisasse de um reforço de anestesia o médico teria de voltar ao quarto, o que me colocava numa situação de dor no caso de não estar disponível. Mas estava errada, depois do primeiro reforço são as enfermeiras que fazem esse trabalho (recebi três ou quatro reforços no total) e a partir daí entre chamar e receber mais anestesia não demorava muito tempo. Mas eu garanto que quando começa a passar o efeito, começa a passar mesmo, não é uma coisa muito gradual. Para mim uma contracção não doía e a seguinte já vinha com dor a sério, era impressionante.

Entre contracções (antes da epidural) não não tinha grandes dores, o que me permitia falar com o PAM. Não eram grandes diálogos eruditos nem assuntos que não estivessem relacionados com o que estava a acontecer, mas conseguia falar um bocadinho, o tempo que entre uma e outra me permitia. Eu estava ligada a uma máquina que dava números: de um lado a encarnado marcava os batimentos cardíacos do bebé, de outro lado a verde, números que o PAM percebeu estarem ligados às contracções. Em repouso e entre contracções, o número andava entre os 20 e os 30 (desconheço que medida será esta) e quando começava a contracção o número subia e ia até aos 60 ou 70. Não me lembro o número máximo que o monitor mostrou em todo o processo, até porque às tantas me esqueci daquilo, mas mais tarde já anestesiada vimos o monitor chegar aos 120. Sabia perfeitamente quando o número estava a aumentar, sentia a contracção, mas não sentia dor. Se com 60 e 70 era o que tinha experimentado no início, não quero imaginar com 120!

Sendo que li alguns comentários de leitoras que ingenuamente expressaram o desejo de vir a parir sem epidural, ESQUEÇAM! Não só porque é horrível, mas porque podem chegar a um ponto em que querem e não há, o médico não está disponível ou já estão muito avançadas e não podem/querem dar.

Vou explicar como é que isto funciona: se de 0 a 20 dói 10, devem dizer que dói 18. O mal não está numa contracção, que dói, aguenta-se e pronto. O mal está na repetição delas, às tantas já não dá mais, é esgotante. E, trust me, assiste-se ao milagre da multiplicação, são umas em cima das outras, o que pode durar horas a fio. Ou então os vossos terminais nervosos estão estragados, não sentem dor e esqueçam tudo o que escrevi.

Abro aqui parênteses para dizer que conheço uma pessoa que preparou tudo para ter o bebé em casa com ajuda de uma doula. Toda ela naturista, anti-drogas, tudo o mais natural possível, protecção do bebé aos químicos, a natureza, os produtos biológicos e tal. Se uma mãe quer fazer um parto assim está no seu direito, não faço qualquer crítica quanto a isso, apenas não me identifico e não queria uma realidade destas para mim. No entanto, esta pessoa esteve dois dias a sofrer em casa, acabou por ficar com medo e ir até ao hospital onde entrou directa para a sala de partos sem direito a qualquer alívio da dor, pois já estava no momento da expulsão.

Esta mesma pessoa diz que se fosse hoje não abdicava de uma epidural, portanto, tirem as deduções que entenderem.

(Continua).

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© A Maçã de Eva

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