6.6.17

O parto – parte I


Tenho de começar este texto com uma vénia às mulheres que fazem um parto sem epidural. Não sei como se faz, como há quem tenha coragem de abdicar de anestesia (padecem de insensibilidade à dor ou sentiram algo completamente diferente de mim) e a minha compreensão e coração a quem por algum motivo não chegou a tempo ou não teve acesso a uma epidural.

Não havendo meio de a herdeira sair por sua livre vontade, o parto acabou por ser induzido quase às 42 semanas. Às 37 semanas ela estava boa para sair e com 3Kg. Com o objectivo de não parir um bebé do tamanho de um peru em vésperas de Natal, ficou combinado que na semana seguinte, às 38 semanas, se faria um toque para ver se a coisa se desencadeava. E oh!, o que eu ouvi dos toques que em menos de 24h se transformavam em trabalhos de parto, era a história de toda a gente, mas nunca foi a minha.

Eu estava perfeitamente convencida de que ia acontecer, a coisa ia dar-se, mas nada. Das 38 semanas em frente perdi a conta aos toques, aos passeios, aos exercícios, aos banhos quentes, eu subi sete andares aos saltinhos em cada degrau! Nada, só serviu para ficar sem fôlego.

A médica já me ligava: “então?”, na estranheza de falta de notícias e na dúvida de eu ter ido parir a parte incerta sem dar notícias. Os dias iam passando, eu ia fazendo consultas pouco espaçadas para controlar líquido (uma piscina olímpica), o colo do útero (mais verde que um nenúfar) e uma cria subida, algures perto da faringe e que nunca desceu. Às tantas, e depois de vários "toques ninja" como lhe chama a médica, a experiência dela procurou mentalizar-me de que era pouco provável que o parto acontecesse e o mais certo era ter de ser induzido, pelo que se agendou o dia 2 de Março. A não ser que algo já inesperado acontecesse, estava marcado o dia!

Às 9H15 desse dia estava no hospital e às 11H era automaticamente publicado no blogue este post em que eu dizia que a indução estava marcada. E estava, só não disse foi quando, queiram perdoar a minha malandrice. Isto de ter um blogue é muito giro, mas há coisas que quero guardar só para mim.

A minha médica estava de banco 24H e eu queria fazer o parto com ela e mais ninguém, pelo que tudo teria de acontecer nesse tempo! De manhã ao entrar no Hospital já levava alguma dilatação, mas coisa pouca, um dedo. Fiz um novo toque, um novo CTG, assinei um consentimento onde se explicava tudo sobre induções e partos, deram-me uma sala de partos, dois microlax para evacuar tudo o que tivesse para pôr na rua, uma bata, informações diversas e nisto passou-se mais de um par de horas.

Já na minha sala de partos, exactamente às 12H06 trouxeram-me um comprimido para desencadear a festa. Desenganem-se se pensam que isto funciona ao primeiro comprimido para toda a gente. O processo é de um comprimido de cada vez, no máximo três vezes por dia e num máximo de três dias. Não sei se há quem esteja três dias à espera que funcione, não foi o meu caso, mas fica o aviso de que num hospital público funciona assim.

De comprimido tomado, era aguardar e pedir aos santinhos que tudo acontecesse dentro do turno da minha médica. Com o PAM sentado num cadeirão ao meu lado e eu deitada na cama de partos, fomos conversando, consultando as redes sociais, troquei mensagens com algumas amigas, fui lendo os vossos comentários ao meu post, tudo nas calmas como se estivesse no sofá de casa até que ao homem lhe deu a fome. A médica foi ver como estavam a correr as coisas, mandou o PAM almoçar, o homem não queria sair dali mas lá o descansou afirmando que não ia acontecer nada enquanto ele estivesse a comer. Estava para demorar!

Lá se encheu de coragem para sair, eu queria era dormir, ele saiu e “então até já”. Sozinha na sala fechei os olhos para passar pelas brasas e talvez 10 minutos depois, de repente, começam as primeiras contracções. “Oh, diabo! O que é isto?”. E intensificavam-se, intensificavam-se à velocidade da luz, em verdadeira escalada, cada uma pior que a anterior.

Eu vou explicar o seguinte: eu não sou nada mariquinhas. Mas nada! Em momento algum da gravidez tive medo do parto (e não tive até ao fim). Acho-me bastante resistente à dor e nunca achei os toques nada do outro mundo. Eu não estava a morrer, mas estava a trepar paredes! E precisava de qualquer coisa para me ajudar a tolerar aquela dor em que o problema não era cada uma das contracções isoladas, mas a repetição delas, o que torna a resistência à dor mais baixa.

Peguei no comando para chamar a enfermeira e pedir drogas. O meu telemóvel apitou, era o PAM a enviar-me um SMS: a foto de um cheeseburger do McDonalds a perguntar se eu queria/podia comer um. Mas eu só queria era um McNarcótico.

Em pouco tempo chegou a Enfª Manuela (infelizmente não me lembro do apelido), impecável, super calma, voz tranquilizante, deu-me um opiáceo na veia que já tinha tido a oportunidade de experimentar em tempos. Lembro-me de ser maravilhoso, altamente relaxante, uma trip fabulosa com alguma perda de consciência, mesmo bom, mas ainda bem que não está à mão de semear nas prateleiras de supermercado. Desta vez o efeito desta droga foi bom, mas menos intenso.

Rapidamente entrei num estado de sonolência, comecei a ver a dobrar o que me impedia de olhar para o telefone, escrever ou ler mensagens, pelo que optei por avisar que não ia conseguir responder durante uns tempos. Não conseguia falar ou abrir  os olhos, mas conseguia ouvir tudo. Entre contracções o opiáceo era fabuloso, nas contracções continuava a senti-las com alguma dor, mas agora muito tolerável. O PAM chegou, abriu a porta, eu estava deitada qual Princesa Aurora da Bela Adormecida, perguntou como me estava a sentir e levantei o dedo indicador. Era a minha forma de comunicar, de dizer que estava a ouvi-lo, mas estava incapaz de abrir os olhos ou responder. Que droga tão boa, pá!

Só que como em todas as drogas o efeito não foi eterno. Comecei a despertar, ao mesmo tempo que as dores das contracções despertavam também e eu pensava para mim: “nãaaaaaao!”.

Levem daqui este ensinamento que recolhi junto de outras mulheres: em qualquer hospital, à primeira dor não se façam de valentes, mesmo que seja tolerável. Não sabem quanto tempo pode demorar a chegar “ajuda”, pelo que optar por esperar pode correr mal. Assim, voltei a carregar no botão para chamar a enfermeira. As dores voltavam a galope, eu a arfar naquelas respirações como se vêem nos filmes, o PAM impotente olhava para mim (eu estava-me nas tintas para o estado em que ele me via), veio novamente a Enfª Manuela, procuraram ver qual era a minha dilatação: um dedo e meio (sendo que se querem dez dedos). Soa a piada, eu sei, um dedo e meio parece coisa de bonecas. Não sei se isto é “medível”, mas parece que este é o mal das induções, levam a dores que não correspondem ao tamanho da dilatação se comparado com um parto desencadeado pela Natureza. Poderá ser um mito, ignorância ou talvez saiba responder se tal é verdade quem passou pelas duas experiências, uma natural e outra induzida.

E por razões que desconheço, estava convencida que só davam epidural a partir dos três dedos de dilatação, pelo que quando ouvi “um dedo e meio” estava pronta para cortar os pulsos porque eu não ia sossegar com paracetamol. Mas afinal estava enganada, a Enfª Manuela olhou para mim, perguntou se eu queria epidural e para mim foi a voz de um anjo. “Quero!”, enquanto a minha cabeça pedia “é p’ra ontem!” e a enfermeira respondeu que ia chamar a médica.

No Hospital de Cascais, para todo o Bloco de Partos existe um médico anestesista (o que consta que é um luxo), mas que pode estar ocupado e não estar ali ao virar da esquina. Não sei quanto tempo passou, acho que não demorou muito, uns 15 ou 20 minutos? Para quem está com dores parece uma eternidade e para o PAM que me viu a torcer os lençóis com as mãos, também. Eu arfava, arfava, soprava, apertava o que podia com a mão direita a cada contracção, a mão esquerda tapava os olhos (não perguntem porquê), fazia uma das pernas bater no colchão como se tivesse um tique nervoso, a ideia era sentir qualquer outra coisa no corpo que não fosse a dor das contracções. Eu até podia dar com um martelo na tíbia, eu queria era sentir outra coisa que não as contracções. Franzia o rosto, gemia e soprava, aguardando a bendita epidural e eu vou reforçar isto: eu sou uma pessoa rija e muito resistente à dor. No meio disto era evidente a aflição  e sentimento de impotência do PAM, acho que até lhe ouvia a transpiração dos nervos a chegar à pele e lembro-me de o ouvir lá ao longe falar sozinho: “isto assim não pode ser…!”.

(Continua).

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© A Maçã de Eva

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