5.6.17

Prioridade a grávidas: notei diferenças antes e depois da entrada da lei em vigor?


 A recente lei do atendimento prioritário (que entrou em vigor no passado mês de Dezembro) veio fazer correr muita tinta. Eu engravidei em Maio e tive por isso a oportunidade de comparar e perceber as mudanças de comportamento. E se notei diferença! O país passou a reparar nas grávidas, a querer cumprir a lei à risca, as pessoas passaram a sentir necessidade de se justificar e efectivamente noto diferença de 2016 para 2017, quase como se o país tivesse mudado de pessoas. Não é que me tenha sentido maltratada em 2016, mas muitas vezes me senti invisível. Em 2017 isso nunca mais aconteceu.

Embora a lei já existisse “mais ou menos”, com supermercados a assinalar a prioridade em algumas caixas para o efeito, a mudança que mais notei foi nas pessoas. No meu blogue cheguei a ler testemunhos sinistros de quem teve de ouvir “gravidez não é doença!”. Nunca me aconteceu, mas uma parte de mim desejou que acontecesse apenas para poder dirigir a palavra e desfiar um rosário de sintomas de gravidez, tendo a oportunidade de educar uma pessoa com défice de sentido cívico (há um lado de mim que deseja endireitar o universo e dar educação a quem não a tem, não consigo evitar).

No meu caso, o pior que aconteceu foi estar numa fila prioritária e ter as pessoas a olhar para o tecto para não bater com os olhos na minha barriga evidente. De todas essas vezes deixei-me ficar para observar os comportamentos, pois eu sabia que iria escrever um texto sobre esta matéria algures no tempo. E honestamente há pessoas que chegam a ser ridículas, fazem qualquer coisa para serem atendidas primeiro. Fará assim tanta diferença? Ou melhor perguntando: para quem fará maior diferença?

Numa das vezes em que integrava uma fila cheia de gente “morta”, curiosamente na caixa prioritária de um supermercado devidamente assinalada, apenas quando chegou a minha vez a menina da caixa se apercebeu que eu estava grávida. No mesmo instante se desculpou e sugeriu-me que a tivesse avisado ou passasse a avisar se voltasse a acontecer, tendo eu explicado que não me sentia bem em fazê-lo: “as pessoas ficam maldispostas, temos de aturar olhares e reprovações. Como grávida só me sinto confortável se me chamarem”.

Compreendi que a menina da caixa não percebesse o sentimento, é preciso estar na pele da grávida e confesso que acabei por achar interessante aquela experiência de observar “aves raras”, mas olhando para trás, no somatório de situações que fui guardando na memória para este texto, foram muito mais as situações surpreendentes pela positiva do que pela negativa.

Nas passadeiras, dá a sensação que é só espetar a barriga e todos os carros param. Num centro comercial, com os elevadores cheios como um ovo, eu tentava descer para o parque de estacionamento, a porta abriu-se, os passageiros ficaram a olhar para a barriga e todos se ofereceram para ficar do lado de fora para que eu pudesse descer. Pedi para não se mexerem “por favor”, podia perfeitamente esperar pelo próximo elevador, estava óptima, mas as pessoas esgrimiam a oferta entre si, em jeito de “pago eu”, “não, eu é que pago!”, discutindo quem ia ficar de fora. Acabei por aceitar a oferta senão ninguém saía dali.

Há dias nos CTT, tirei uma senha e aguardei que me vissem a mim e à minha barriga. Não fico à espera que parem tudo por minha causa, às vezes atendem uma ou duas pessoas antes de me chamarem. Mas da última vez chamaram por uma senha que não era a minha e uma voz atrás de mim mandou-me avançar. Olhei e nem percebi imediatamente o que aquela pessoa queria de mim, é que em vez de me chamarem os funcionários de balcão, era o cliente que me estava a dizer para avançar no lugar dele. Foi de uma gentileza e uma educação vinda de um rapaz tão novo que fiquei impressionada.

Também há dias estava na caixa prioritária de um supermercado quando a senhora à minha frente girou o corpo, deu pela presença da minha barriga e imediatamente fez questão que passasse à frente. Expliquei-lhe que não tinha problema, já tinha as minhas compras no tapete, não ia estar a fazer uma “ponte” por cima das coisas dela. A senhora insistiu, eu insisti que estava bem, por mim não tinha problema em aguardar mais um pouco. E não tinha mesmo problema, mas o que eu achei interessante desta experiência foi a necessidade que a senhora teve em justificar-se, explicando que nem costuma ocupar lugar nas filas prioritárias, mas pretendia fazer uma troca e tinha sido avisada que só a menina daquela caixa estava autorizada a fazê-lo.

Ou mais recentemente, também numa caixa de supermercado, uma senhora que estava às compras reparou em mim e aproximou-se para me informar que tinha prioridade, caso eu não soubesse. Sorri, agradeci, disse-lhe que sabia, para logo ela responder em bom som, de forma que as pessoas à minha frente ouvissem: “pois, as pessoas é que têm de deixar de ser egoístas. Isto é uma vergonha!”.
A lei (ou o que a comunicação social fez com a lei) mudou mentalidades: as pessoas querem sair dos elevadores para dar lugar a grávidas, as pessoas cedem o seu número de senha e algumas chegam a justificar o motivo para estarem numa fila prioritária.

Gravidez não é doença, mas garanto que existem dias em que temos um mal-estar doentio. No meu caso sinto que posso andar a pé muito bem, mas estar parada numa fila tem dias em que é um sacrifício, prefiro estar em sempre em andamento. A mulher pode nem ter barriga e estar enjoada como uma pescada, com vontade de vomitar, ninguém merece ficar parada numa fila nesse estado. A mulher pode sentir quebras de tensão, pode ter dores lombares, dor ciática, dores generalizadas provocadas pelo inchaço, dores generalizadas provocadas pelo aumento de peso ou dores no baixo-ventre provocadas pelo peso da barriga. Pode ter uma terrível falta de ar (nem me lembrem) e isto são peanuts, só para enumerar alguns sintomas de quem tem tido uma gravidez santa e outros que conheci em gravidezes de amigas.

Quanto a mim, garanto que nunca mais olho para a presença de uma grávida numa fila da mesma maneira. Se quem atende não tem oportunidade de reparar ou se as outras pessoas na fila se fazem de mortas, tenho a certeza que vou avançar para avisar: “por favor, queria só avisar que está ali uma senhora grávida”. Não há nada como passar pela experiência, sendo que a minha experiência é muito boa, pelo que não posso imaginar o que sofre quem tem gravidezes difíceis e limitativas.
Na sua maioria e após a entrada da lei em vigor, acho que as pessoas gostam de grávidas, passaram a olhar para as barrigas com outros olhos, dá a sensação que todos querem ser cumpridores e, arrisco, têm vontade de agradar. Só é pena que tenha sido preciso uma lei para que estes comportamentos sociais se alterassem.

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© A Maçã de Eva

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