14.3.20

Diário CODIV-19 #1 - Deixem uma pessoa (já desgastada) em paz


Uma década da minha vida profissional passei-a no ramo da saúde, como assessora de imprensa, com os pés em comunicação de crise, passando pelo INEM e outros organismos do Ministério da Saúde. Toda a informação que tenho disponibilizado no Instagram do blogue é científica, parte da leitura de fontes credíveis e dos meus contactos de quem está no terreno. Não faço afirmações que não possam ser confirmadas. Não invento factos. E não contribuo para a desinformação para ter visualizações ou likes, que é coisa que não me importa.

Importa-me tão pouco que escrevo este post no blogue para reduzir a interacção directa que tenho no Instagram do blogue. Inclusivamente retirei a opção de me responderem aos stories.

A informação que tenho disponibilizado e interpretado não a procuro para os outros. Procuro para mim, porque me importa, porque o cenário é aterrador, porque a cada dia que passa vejo que não estão a ser tomadas as medidas necessárias. É que até o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (o grupo de todas as universidades médicas) já solicitou publicamente, em carta aberta, que o país seja encerrado e ordenado o recolher obrigatório como se fez em Itália (ver aqui). Não sou eu que tenho opiniões negativas. O cenário é negro e não há nenhum especialista que o desminta!

Tenho recebido imensos contactos de seguidores. Como nunca, arrisco dizer. A larga maioria agradece os esclarecimentos que vou fazendo e as explicações que dou.

Como podem ver nos stories, expliquei por que é que nesta fase não existe "grupo de risco". Somos todos grupos de risco. Há os assintomáticos, os que desenvolvem doença ligeira e os que desenvolvem doença severa. Muitos desses precisam de ventiladores e em Itália já não há. O nº de mortos em Itália não se multiplica porque o vírus por lá é mais mortal, mas sim porque não existe capacidade de resposta. Se vos interessam as explicações, podem saber mais aqui.

E depois existe uma pequena minoria que me escreve em desagrado. Eu aceito que não concordem. Eu aceito que tenham uma opinião completamente oposta. Eu aceito que sejam cegos, optimistas, ingénuos. Mas isto é inaceitável e, na verdade, uma maldade.


Relembro que ninguém é obrigado a seguir a minha página. Relembro que até podem gostar da minha página mas não se interessar por estes conteúdos e voltar em tempos mais felizes. Relembro que é possível discordar de uma opinião sem ir buscar o pior de si, incomodando uma pessoa que já não dorme, tal o medo.

Eu não estou histérica. Eu não arranco cabelos. Eu não tenho crises de choro, embora por vezes fique de lágrimas nos olhos.

Estou em isolamento, vejo gráficos, tenho capacidade de os interpretar, vejo que nos países do Mediterrâneo ainda não mostram um "sombrero" mexicano (explicação para outro post) e isso significa que a procissão vai no adro. Acham que o cenário ao dia de hoje é mau? Vai piorar.

Tenho vários negócios (todos a fechar esta semana que entra) e na lista de preocupações ponho-me a mim no fim. Morro de medo pelos outros, não vivo bem em consciência se não puder deixar os colaboradores confortáveis. O meu marido está sem trabalhar e acredito que a empresa dele vá parar por largos meses.

Eu não me "enfiei" na feira de calçado de Milão em modo desafio. Quando eu fui existiam poucos casos confirmados a norte do país e uma semana depois do meu regresso, tudo explodiu. Eu fui trabalhar num dia e regressei no dia seguinte. A pessoa que me enviou esta mensagem esquece-se que não há precedentes históricos para isto e este cenário só se viu em filmes. Ainda assim, sou uma pessoa muito bem informada, trabalhei mais tempo em saúde do que a idade que tem a minha marca de sapatos e na altura tomei as devidas precauções. Eu também tenho família. E gosto de viver.

Não encontrarão nenhuma afirmação em que tenha dito que em Itália estava tudo tranquilo. Nem que estava tudo agitado. Inclusivamente mostrei fotos de um cartaz na feira que pediam sorrisos em vez de cumprimentos físicos e comentei que à saída do avião fui barrada por uma equipa que mais parecia que ia à lua e me tiraram a temperatura com um laser à distância. Isto não é "em Itália estava tudo tranquilo", mostraram que estavam em prevenção, nunca fiz tal afirmação.

Eu não faço stories histéricos, faço stories assertivos e informativos. Não choro, não grito. Eu aceito que algumas pessoas prefiram não saber, viver à margem da informação, eu adoraria ser assim! Seria mais feliz. Mas informar e ser assertiva não é sinónimo de histeria. E partilhar a informação, usando uma plataforma que tenho para mais do que mostrar cremes, talvez possa fazer diferença se levar alguém a ficar em casa. Se eu conseguir que UMA família fique em casa por minha influência, isso é tudo menos ser umbiguista.

Nunca dei lições de empreendedorismo porque não sou especialista na matéria. Antes, eu partilho as minhas experiências e muitas vezes os meus erros, que também os cometo. Acredito que com os sucessos e os erros de outros podemos aprender. Eu, pelo menos, sorvo as alegrias e agruras que outros empreendedores queiram partilhar, movo-me por ouvir mais uma história, mais um conselho.

"Afinal não é assim tão boa empresária" foi uma frase tão nojenta de ler. É preciso ser-se tão má para me enviar uma mensagem destas. E se eu fosse má empresária? Que mal tinha? O meu percurso não é limpo, mas é honesto e feliz. E a possibilidade de perder o que construí com vontade e dedicação mata-me de tristeza.

Eu tenho fundo de maneio, sim. Mas também tenho consciência e ele não é infinito. E também não quero limpar as contas de uma poupança que faço desde que trabalho porque, imagine-se, sou daquelas pessoas que amealha, um dia vou ser velha e morro de medo de imprevistos.

Mas este "imprevisto" pode ir para além do verão e não há fundos que aguentem isto. Há pessoas que dependem de mim e o medo e a consciência pesam-me de tal forma que durmo a espaços, acordo de madrugada, não vejo medidas de rigor e cada dia que passa, precioso para inverter a curva de infectados, está a ser desperdiçado diante dos meus olhos. Cada dia que passa custa-me uma fortuna. Não é possível viver indiferente a isso. Não, não dá para descansar! Tem um nome, chama-se "sentido de responsabilidade".

Outras pessoas me contactaram, educadamente, para dizer "ainda bem que mudaste de opinião" por causa deste texto. Eu não mudei de opinião, tudo o que escrevi era adequado ao que se passava na altura e mantém-se.

✓ A comunicação social comportava-se desejosa por ver o Covid-19 entrar no país e disseminou notícias de revirar os olhos. Eu tenho um print de uma notícia da TVI que diz que quando uma pessoa "espirra ou tosse liberta bactérias do vírus"! - portanto, confirma-se.

✓ Os governos andaram a tomar medidas assim-assim (e continuam) para parecer que faziam alguma coisa que na verdade foi só gastar tempo e dinheiro - confirma-se.

✓ Escrevi "na propagação de um surto a sério em que todos nos transformamos em zombies, não há, mas não há mesmo, nenhum país que esteja preparado para o conter. Nenhum! Esqueçam isso" - confirma-se. E os nº de mortes em Itália é, infelizmente, um exemplo disso.

✓ A escola da minha filha enviava mails diversos, histéricos, para saber quem tinha estado nos países afectados, uma medida que não servia para nada. Ontem recebi um email a avisar de casos - confirma-se que não valia de nada.

Afirmei que só existia uma maneira de impedir a entrada do coronavírus num país, que era fechar as fronteiras. "Ninguém entra ou sai até a coisa se dissipar". E, caraças, nunca imaginei que isto fosse sequer uma possibilidade. Mas confirma-se.

A única coisa que escrevi errada foi que fevereiro é o pico da gripe, mas é da gripe comum. Este coronavírus parece ter outros planos para todos.

Sim, eu escrevo coisas, mas não são cegas. Quando não sei fico caladinha.
Sim, eu escrevo coisas, mas não ando à procura de likes.
Sim, eu posso enganar-me, não estou livre. Mas até nem foi o caso.
Sim, estamos todos a aprender com isto a cada dia e a interpretar a informação.

Não, eu não preciso que me enviem mensagens maldosas. Eu também tenho família, medo, angústia, preocupação crescente, a minha lista de dilemas não acaba.

A quem interessar, no Instagram do blogue, aqui, nos destaques, têm uma bolinha com o nome "Codiv-19", podem consultar os meus vídeos aí. Vou tentar escrever alguns textos no blogue (aparentemente não vai faltar tempo), tanto informativos como de paródia, o humor não nos pode falhar.

Partilharei ainda receitas, sugestões de filmes e séries que vi nos últimos tempos. No entanto, estes textos podem falhar. O meu portátil está a dar as últimas, estou uma década para ir ao email e para abrir uma página de internet. E agora não é momento de ir à procura de um computador.

E a quem os meus conteúdos não interessarem, tudo bem na mesma.

Se não vos responder às mensagens, não levem a mal. São mesmo muitas mensagem a entrar, às tantas passo o dia ao telefone, mais as chamadas que faço, já me dói o pescoço e recebo SMS do meu marido na sala a dizer que ele e a minha filha têm saudades minhas. Estamos em isolamento na mesma casa... No entanto, gosto de vos ler.

Fiquem bem, fiquem em casa 



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© A Maçã de Eva

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