9.8.18

Publicidade em blogues: o horror - parte III


Publicidade em blogues: o horror - parte I, aqui
Publicidade em blogues: o horror - parte II, aqui


Estou dos dois lados da barricada: como blogue e como marca. E ainda como marca que tem relação saudável com outras marcas. E eu não sei tudo, mas sei muita coisa. E sei muito bem quem gera negócio e quem é fogo de vista.

Eu por exemplo, faço ofertas com as minhas marcas, não pago para aparecerem nas redes sociais, por um simples motivo: não trazem retorno. Através das minhas lojas online e em algumas campanhas, através de um código é-me possível saber quantas vendas geram cada uma destas autoras. E a verdade é que pelo menos para o meu tipo de artigo, pode valer a pena a oferta, mas não vale a pena o investimento financeiro ao valor que cobram os posts. Alguns exemplos estatísticos, rigorosos, retirados do meu sistema:

a) Em 2016 uma das autoras mais conhecidas do país gerou 18 vendas. Fazendo contas aos impostos, ao lucro, vezes o nº de peças, não compensaria nunca o valor de post que cobra. Mas a oferta de produto deixa-me contente e a quem recebe também, por isso, perfeito!

b) Uma autora que adoro de coração, tanto a pessoa como a página, quatro vezes mais seguidores do que eu, gerou uma venda. Uma venda. Neste caso não deu para pagar nem a oferta, mas gosto dela de coração, não olho a isso e continuo a oferecer. No entanto, sei ver que não vale o pagamento de um post segundo a sua tabela.

c) Uma actriz de novelas com milhares e milhares de seguidores, fez um post com umas sandálias. Uma foto horrível, atiradas ao chão, parecia que as sandálias tinham andado no caixote de lixo. Fiquei em choque com a falta de cuidado na apresentação, a falta de brio em querer fazer giro e em bom e, claro, podem imaginar que dali não veio nada. Zero vendas. E este é outro dos problemas que tenho tido, em alguns casos trabalha-se tão mal que me levou a desistir de ofertas. Não tenho paciência para ensinar bom senso, nem estas pessoas estão dispostas a ouvir/aprender.

Na verdade, uma vez fiz uma oferta a uma influencer com muito mais seguidores do que eu e pouco tempo depois vi-a vender no blogue as sandálias que lhe tinha oferecido. Ou outra influencer que aceitou a escolher um presente, publicou uma foto do bikini escolhido, mas sem qualquer referência à marca. Regra geral, sinto que se trabalha mal (e contra mim falo que estou atrasada em agradecimentos de ofertas).

Acho bem que as pessoas sejam pagas pelo seu trabalho, o problema aqui é que a larga maioria das influencers (não vou dizer o todo, mas quase) agem como sendo a última coca-cola do deserto, sendo que alguns preços são absolutamente injustificáveis para o retorno que geram. Poderia pensar que se calhar a questão está no meu produto, mas a qualidade, o crescimento das marcas, o facto de ter feito crescer a marca praticamente à margem das influencers, o facto de eu própria fazer muito pouca divulgação às minhas coisas hoje em dia, o facto de ter crescido bem ao ponto de já ter uma loja no centro da capital, faz-me deduzir que a questão não estará no produto.

Esta semana fiz uma série de convites para ofertas de fatos de banho e bikinis. Umas pessoas respondem que sim com gosto, há quem responda com alegria, "claro que sim, a apoiar a ROS desde o início!", porque gostam mesmo e valorizam receber uma oferta com um valor de mercado de cerca de 100€. Mas há quem não dê resposta ainda que me conheça, há quem recolha a oferta e goste tanto que compre outro e há quem responda "não trabalho a troco de oferta de produto nem faço testes de potencial" (autora com cerca de 115 mil seguidores). E eu percebo, juro que percebo, mas lamento imenso que daquele lado não considerem a possibilidade de não darem retorno.

Verdade seja dita, apenas uma, e apenas uma página com visibilidade valeu a pena pagar para mostrar a minha marca. E sabendo eu a verdade, por mim e através de outras marcas com os seus produtos, por que motivo haveria de queimar os lucros em investimentos que não oferecem retorno?

MAS - e notem neste "mas" - se alguma influencer acreditar que vende muito e em vez de um pagamento único quiser optar por uma percentagem do que vender, é já! Com isso, se de facto for uma influencer geradora de vendas em volume, pode ganhar muito mais do que o valor que cobra por um post.

Esta calculadora de Instagram está acessível a todos, basta colocar o nome da página de Instagram e poderemos ver um intervalo médio de valores por post nesta rede social e o engamentent rate. Notem que esta calculadora funciona com um algoritmo que tem por base as últimas 12 publicações e Agosto, pela afluência menor de seguidores, não será o melhor mês para medir com rigor. Mas vai-se a ver e o meu preço médio por foto anda agora por volta dos 65€, um preço que não me deixa rica e também não leva nenhuma marca à ruína (mas levou uma agência a responder "nunca mais falamos contigo!").

Pegando noutro blogue português conhecido, a média por foto ronda os 500€ e a Kim Kardashian está à vontadinha para cobrar entre 170 mil a 288 mil dólares por foto.

Mas é curioso ver que eu tenho um engagement rate maior que o da Kim Kardashian. Ou seja, a confiança que os seguidores depositam no que estou a dizer é maior. Mas perco na dimensão de escala, claro.

O que nos leva a outro tema da área em que muitas autoras são novas, não têm experiência de trabalho (embora tenham muita visibilidade), algumas são simplesmente mal-educadas e têm comportamentos inaceitáveis. Falo com muitas marcas e digamos que Portugal é um país pequeno onde se fala. Sei de bloggers que destratam pessoas que trabalham para as marcas (juro, fico maluca). Bloggers que vão a lojas querem fazer uma compra, não querem pagar e iniciam a conversa do "sabe quem eu sou?"Bloggers que num evento fazem uma cena constrangedora porque não têm cadeira, deixando as pessoas que estão a tentar resolver a situação a falar sozinhas, literalmente virando-lhes as costas e abandonando o espaço. Bloggers que chegam a uma banca num mercado, perguntam pela peça que escolheram e que a marca ainda não tem disponível, "eu vou de férias para a semana que vem, não esperam que vista o modelo do ano passado!". E eu juro, juro, já vi algumas pessoas desconcertadas, sem saber o que fazer, aflitas, porque trabalham para uma agência, representam marcas e têm de tratar todas estas pequenas nas palminhas. Eu já fui ter com algumas pessoas que estão a trabalhar e a levar com isto para dizer-lhes que lamento

Embora o Instagram esteja em alta, acredito que esteja ao mesmo tempo a começar a gerar desconfiados. São vidas perfeitas, viagens perfeitas, fotos perfeitas, rabos perfeitos, vidas fantásticas - que todos gostamos de ver e sonhar, sem dúvida! - mas onde é que isto nos vai levar? Qual é a próxima rede social, sendo que passámos de textos criativos a muito rabo com pouco texto? E estas pequenas que vivem da imagem, bonitas, jovens, corpos esculturais (meio caminho andado para conseguir milhares de seguidores), o que vão fazer quando se lhes gastar a beleza e chegarem outras mais bonitas? Viverão como influencers a mostrar o unboxing day até quando?

Há dias falava com um amigo mais velho que eu, trabalha em eventos, por força do trabalho dá-se com as camadas mais jovens convidadas a aparecer em festas, onde fazem stories "isto está o máximo, apareçam, alta festa!", para depois desligarem o telefone e dizerem "isto está uma seca, tenho de ficar até que horas?". Ou a magra gira e fotogénica que está fechada no escritório, deprimida, a fazer render as fotos das férias que acabaram há que tempos num registo "a vida é boa", mas na verdade, a vida está uma merda.

À parte das realidades inventadas, há ainda o mercado das it girls, as tais dos rabos (fantásticos) à mostra, onde tantas marcas investem, quando a percentagem de seguidores masculinos em busca de material masturbatório é enorme. São seguidas maioritariamente por homens e pitas que querem ser estas it girls, não porque lhes deram um voto de confiança na personalidade, mas só por serem giras, tesudas e, portanto, a capacidade de gerar negócio não garanto que seja má, mas deixa-me dúvidas. Ou as it girls nascidas no meio digital, com páginas espectaculares, mas seguidas pelas miúdas da sua geração, ainda dependentes dos pais e sem poder de compra.

Este não é um texto destrutivo ao trabalho das bloggers/influencers. De todo. Acredito mesmo que cada um deve ser pago pelo seu trabalho de alguma forma. Tenho a certeza que algumas autoras que eu sigo fazem um trabalho espectacular. Muitas têm uma enorme visibilidade, mas uma grande parte não compensa o investimento que cobram. A verdade é que Portugal é um mercado modesto, o poder de compra não é espectacular e por mais que achássemos interessante, nenhuma influencer portuguesa está para chegar sequer perto das influencers espanholas, com um registo completamente diferente e procuradas pelas casas de alta costura internacionais. Mas por outro lado, quando aí se chega, as redes sociais seguidas na maioria por comuns mortais, passam a dar ao dedo no telemóvel para sonhar alto, para um escape de uns minutos, não por serem potenciais compradores de modelitos que custam um ano de poupanças, quando antes era uma peça da Zara que quase todas podíamos comprar.

Em suma, os influenciadores devem ser pagos pelo seu trabalho? "Nim". Em muitos casos estas páginas envolvem muito mais que 8H de trabalho diárias, envolvem prestadores de serviços e até staff, devem sempre receber alguma forma de retorno, financeira ou na forma de produto (se no produto tiverem interesse). Mas a verdade é que à larga maioria falta-lhes ganhar consciência de que no mercado português e sobretudo para as PME, não valem o investimento que pedem.




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© A Maçã de Eva

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