9.8.18

Publicidade em blogues: o horror - parte II


Publicidade em blogues: o horror - parte I, aqui


Depois de ter escrito o primeiro texto, chegou o momento da segunda parte, depois de esta semana uma agência de comunicação (em representação de uma marca que não terá conhecimento do que fizeram), me terem "retirado o convite" e avisado que nunca mais voltariam a contactar-me, após ter explicado por que tinha enviado um preço para as publicações que me contactaram a pedir. Recebi um mimo do tipo: "ai é? Ficas de castigo para  todo o sempre!".

Foi a primeira vez que uma coisa destas me aconteceu:



Honestamente, não faço ideia se esta resposta foi iniciativa de uma pequena imberbe num momento sem noção ou se foi de facto uma resposta mandada por um chefe ou até pelos donos da agência que me contactou (cujo nome vou omitir). O que tenho a certeza é que a marca envolvida não tem conhecimento de que me enviaram uma resposta destas.

Na dúvida, se foi a junior manager ou um chefe, dúvidas não existem para concluir que os colaboradores podem ser o melhor e o pior de um negócio. Debato-me com isto todos os dias, nas cenas mais básicas como ensinar que quando se atende uma cliente, não se passa a bola para a colega dizendo: "atende aqui a cliente, vou fumar um cigarro à rua". O sentido de noção que para mim é básico, infelizmente não é um dado adquirido para muita gente e tem de se ensinar. E o pior: a falta dessa noção básica, no limite, pode levar danos a um negócio.

No caso do email, não fico chateada por me terem tirado da lista das campanhas. Juro que me é indiferente, felizmente não me falta trabalho para fazer com gosto. Mas tendo eu negócios e colocando-me no lugar da marca (que vou omitir), enlouquecia ao saber que davam uma resposta destas. Esqueceram-se de um pormenor básico: ter influência é ter influência para o bom e para o mau. Calha eu não ser maluca, ter bons princípios e não ter vontade de assassinar negócios, mas imagine-se que eu era uma pita, que ficava enraivecida, não olhava com rigor, dava a marca pelo comportamento da agência e expunha nas redes sociais "olhem o que a marca X me escreveu!".

Bem podiam começar a gerir um momento de comunicação de crise. Já imagino a marca a pedir desculpa publicamente, dizendo que não se revê nas palavras da agência. E ao negócio da agência com essa e outras marcas, o que acontecia? Esta resposta foi mesmo de amador.

Não só de amador como a resposta foi parva. Eu não disse que não trabalho a troco de produto, porque o faço (com regularidade, até). Não faço é três posts fixos cheios de regras por produto, datas, indicações do que pode e não pode entrar na imagem, tudo com um valor de venda ao público de cerca de 8€. No entanto, no ano passado recebi um press release da mesma marca através de uma outra agência (civilizada), respondi a perguntar se não quereriam enviar-me alguns artigos, enviaram, recebi, divulguei e foi de graça. Ou melhor, foi a troco de produto.

Convenhamos, se a ZARA me propusesse receber um vale de 100€ em troca de mostrar as peças (o que já faço habitualmente), eu perguntava onde assinava. Se me exigissem 3 posts com regras e exigências a troco de um vale de 8€, eu não teria interesse. Para isso compro eu e não tenho obrigações.

A resposta continua a ser completamente parva quando nenhum blogue, nenhum, nem sequer uma página de publicidade ao valor de três mil euros na Caras, dá garantia de retorno. É um investimento. Só poderão medir retorno quando existe um código ou algum meio de consultar visualizações digitais que se podem estimar em vendas. E por entre as exigências que me foram enviadas, uma delas dizia que tinha de colocar o link de cada um dos posts numa qualquer plataforma, pelo que certamente iriam retirar algum tipo de leitura estatística.

Perderam completamente a noção. Podia ter corrido muito mal se eu fosse má pessoa, mas calhou eu ser só uma pessoa que não gostaram de ler. O meu email era construtivo, simpático mas verdadeiro e tenho pena que tenham lido como um ralhete. Poderiam ter optado pelo silêncio, poderiam ter respondido "compreendemos, mas não temos possibilidade", agradecendo. Podiam ter respondido "talvez numa outra oportunidade", agradecendo e apagando-me para todo o sempre. Faltou-lhes estaleca, mas serviu de inspiração para dar continuidade a esta série de textos.

Os blogues morreram. Já nenhuma agência quer saber do número de visualizações.
O Facebook morreu (ainda vai resistindo nos utilizadores entre os 30 e os 50, mais ou menos).
O Instagram está em alta, mas na sua maior parte vende ilusões. Vai cair e dar lugar a outra rede, só não imagino quando e em que formato.

Nunca quis viver do blogue (nem de nenhuma rede social), sempre me pareceu uma estratégia pouco consistente. Nada contra quem tomou essa opção, simplesmente para mim nunca fez sentido. Deixei-me ficar no canto onde estava, outras autoras que na altura estavam em pé de igualdade com a minha página, expuseram-se, criaram a substituição das novelas com infinitos stories e directos (que nunca fiz ou tenho gosto em ver), apanharam um space shuttle de visibilidade e têm hoje em dia muito mais seguidores do que eu.

Para mim, a partir de determinada altura, o que me fazia sentido era criar negócio e não gerar negócio para os outros. Em 2014, com a visibilidade que o blogue me dava, decidi abandonar a carreira de Assessora de Imprensa, apostei todas as minhas fichas para criar uma marca de sapatos. Correu bem, mas a intuição dizia-me que depois da crise, não podia ter apenas um só negócio. Tinha de diversificar para diminuir o risco de ficar sem nada. Fiz um novo investimento e em 2016 criei uma marca de fatos de banho. Somei outro negócio em 2017, um cabeleireiro de luxo entre o Marquês de Pombal e o El Corte Inglés. Em 2018 o crescimento ditou: abri uma loja para os sapatos e os bikinis numa das principais avenidas de Lisboa, com uma montra gigante para o Saldanha . E no meio disto ainda adquiri metade de um outro negócio que nunca comentei.

Na verdade não sei bem como isto tudo aconteceu, foi acontecendo. Não há dúvida nenhuma que estes negócios tiveram como pontapé de arranque o blogue. Olho para trás, acho isto um fenómeno inacreditável da internet e sinto-me sortuda que me tenha acontecido a mim. Mas do inacreditável volume de trabalho em que isto me fez mergulhar (o último ano tem sido particularmente pretty shitty) nasceu uma auto-traição: o tempo disponível rareou e o blogue, aquele que começou por me dar isto tudo, foi perdendo. Eu mergulhava nos meus negócios, Portugal começava a falar de influencers, as marcas começaram a desviar investimentos nos meios de papel para apostar nas redes sociais e isto começava a gerar verdadeiro dinheiro às autoras das páginas mais seguidas.

Hoje os blogues morreram, são neste momento meros acessórios das redes sociais porque estes formatos não convidam à leitura de conteúdo maior, vivem de imagens e muito pouco texto. Mas as pessoas gostam de ver fotos, sobretudo se forem boas fotos. Quem não gosta de folhear uma revista cor-de-rosa? Houve quem tivesse talento para fotografar ou visão para fazer um investimento e subisse em flecha.

As visitas aos blogues diminuíram, o Facebook passou a ser old school, as revistas foram diminuindo as impressões e algumas perceberam o rumo da coisa e aumentaram as suas versões digitais. Mas outras impressões em papel caíram de vez. Portugal disse adeus à Cosmopolitan em 2017, no Brasil esta semana a Elle e a Cosmopolitan anunciaram as últimas capas (entre outras revistas) e a editora Abril vai despedir cerca de 500 jornalistas (não se fala noutra coisa no Brasil). Um dos "culpados" apontado é o consumo das redes sociais e o interesse do público que passou das revistas para outros criadores de conteúdos, os influencers/bloggers.

Quando escrevi o primeiro texto, "Publicidade em blogues: o horror - parte I,", por curiosidade contactei algumas revistas em nome da minha marca para saber quanto cobravam por uma página de publicidade. É impressionante, ia de três mil euros numa revista cor-de-rosa, a 10 ou 15 mil € em revistas de moda e se fosse para aparecer numa capa, facilmente ultrapassava os 20 mil €. A minha pergunta era e continua a ser a mesma: no mercado português, não consigo compreender o investimento e duvido imensamente do retorno.

Do outro lado das revistas estão os blogues e influencers, com mais seguidores do que as revistas têm tiragem. Isto significa uma possibilidade muito maior de o público reparar numa marca porque a Maria das Couves diz que gosta (vou deixar de parte a possibilidade de ser uma publicidade falsa), enquanto na revista a página de publicidade é passada para o lado num dedo lambido sem que seja notada. As marcas redireccionaram os seus investimentos para o meio digital, as revistas em papel têm perdido recursos e fecham umas atrás das outras. Até o DN já só imprime ao fim-de-semana.

Todas estas influencers com 100 mil e 300 mil seguidores no Instagram (melhores realidades portuguesas), aquilo deu trabalho a conquistar! Aquelas páginas representam muitas horas de trabalho, de criatividade, de tentativas-erro, de investimento no tempo pessoal, de investimento financeiro e acho que devem ser pagas pelo seu trabalho. Mas é aqui que a porca torce o rabo.

Nos últimos meses tenho lido no instagram textos inflamados de meninas populares num registo ofendido "não me peçam para trabalhar de graça!", altamente replicado por outros blogues num grito de "capitalismo ao poder, não mais seremos exploradas!", "muito bem, é assim mesmo!", parecendo um manifesto em luta pelas 8H de trabalho diárias. Menos.

Enquanto ia lendo estes textos, suspirava. Eu compreendo e acho a "luta" aceitável em termos de lógica: as pessoas devem ser pagas pelo seu trabalho, isto é indiscutível. O que faltou neste manifesto foi dizer "eu tenho visibilidade, mas posso não justificar o investimento".


Continua com conclusão em Publicidade em blogues: o horror - parte III, aqui



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