29.12.17

Salvar a vida a um homem no Chiado


Ontem, no Chiado, decidi comer um gelado enquanto passeava pelas montras a caminho do parque de estacionamento. Numa mão levava o copinho, na outra a colher. Na Praça de Camões cheguei à passadeira, aguardava pelo sinal para poder atravessar a rua com dezenas de outras pessoas, todos ali apertadinhos como sardinha em lata, eu com medo que alguém me empurrasse para o alcatrão, sempre a pensar que agora detesto Lisboa.

Mesmo ao meu lado um homem com cerca de 50 anos dá um abafado grito de dor: "uuughh!".

Olho para ele. Curva-se sobre si mesmo.

De pé e com as costas dobradas tem uma mão esquerda apoiada no joelho.
Não vejo a mão direita, está agarrada ao peito?

Olho para os lados, ninguém está a tomar atenção.
Pergunto-me: "este homem está a sofrer um enfarte?".

Já não sei o que fazer ao gelado. Olho para ele, olho para as pessoas, procuro fazer uma leitura da situação sem o abordar, procuro desesperadamente perceber se o homem está agarrado ao peito, mas não me consigo mexer e é estúpido pôr-me aos gritos.

Ou então não. Devo gritar?

O sinal fica verde para peões, as pessoas arrancam a toda a velocidade, abre-se espaço entre nós e eu deixo-me ficar no mesmo sítio. O homem endireita as costas e faz uma respiração profunda olhando para o céu, como de alívio.

Continuo parada de gelado na mão a olhar. O que é que se passa aqui?

Afasta-se lateralmente uns 20 centímetros. Quando se afasta aparece um daqueles postes de metal, verdes, que impedem o estacionamento indevido. Percebi então: tinha batido no ferro com as partes baixas, que é como quem diz as vergonhas, os testículos.

Meu rico gelado! Estou cansada deste altruísmo que vive em mim!



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