Ontem deitei-me com uma petição que circula no facebook a mandar fechar o Urban Beach (e pessoas a assinar, até levo as mãos à cabeça!) e acordei com a notícia de que o Ministério Público fechou a discoteca esta noite.
Não aguento tanta estupidez. É de revirar os olhos.
A viralidade da cena de pancadaria que corre as redes sociais, toma conta da imprensa, faz circular a tal petição para fechar a discoteca e acaba de meter o governo, já começa a meter nojo. Custa-me a crer que existam pessoas tão cegas, com comportamentos de carneiro: "eu daqui não vejo nada, mas segue à frente que eu vou atrás".
Esta nova polémica desencadeou aquilo que eu chamo de "comportamento Maddie". Se eu ainda estudasse esta seria a minha tese. O "comportamento Maddie" mostra-se sobretudo nas redes sociais, o desaparecimento da criança deu-se numa altura em que o Facebook era a última coca-cola do deserto e cavalgava o interesse de todos portugueses e descreve um comportamento em que ninguém estava lá, mas todos garantem certeza absoluta o que aconteceu: "foram os pais que a mataram, de certeza", "não sei como ainda não foram presos". Mas qual certeza, meu povo?
Já as pessoas normais e que não estavam lá para ver, não fazem ideia o que aconteceu, é uma pena e será um mistério provavelmente para sempre.
O vídeo do momento desencadeou o mesmo tipo de estupidez: o meu facebook é um mural de pessoas que não estiveram lá, mas a espelunca tem de fechar. Não aguento tanta cegueira e movimento de carneiro.
Não vou fingir que não fiquei impressionada com o vídeo. Sim, fez-me aflição, mas não tirei conclusões imediatas e não assumi que sabia a verdade. Não estando lá contactei uma pessoa que sabia ter lá estado e perguntei se tinha assistido. E a verdade não podia ser mais impressionante e tão contrária ao que se faz crer. O efeito viral das redes sociais é de facto interessante de ser estudado e põe a nu as cabeças menos pensantes.
Importa dizer que eu não sou aqui defensora do Grupo K. Há mil anos que não saio à noite, mas há que reconhecer que este grupo domina a noite de Lisboa há mais de 20 anos. E em todo esse tempo foi conhecido por manter uma frequência dita normal nas suas discotecas onde não entram desordeiros, bêbados e malta da pesada. Não é meu objectivo defender o Grupo K, mas acabo por fazê-lo.
Então, o que é que aconteceu na verdade?
1. Há semanas que um grupo que chamamos de "malta da pesada" decidiu montar arraiais no exterior do Urban Beach. Sem hipótese de entrarem na discoteca, estas pessoas com mau aspecto, espírito desordeiro, assaltavam carros e betinhos no exterior. Ou seja, deslocavam-se propositadamente para uma zona de pessoas de extracto social diferente com o objectivo de facturar mais um iPhone, render mais uns trocos, espalhar o medo e aquele espírito de mitras "quem manda nas ruas sou eu", que tanta tesão lhes dá.
2. Estes mitras nunca estiveram dentro do Urban Beach. Mas ontem, já depois da discoteca estar fechada, perante assaltos no exterior e ameaças a pessoas que claramente não têm arcaboiço para lidar com este tipo de gente (eu também não teria), pediram ajuda aos seguranças que saíram do Urban Beach - fechado, lembro - para arrumar com aqueles bandidos.
3. O Urban Beach não tem seguranças próprios, subcontrata um serviço de segurança, a PSG, um negócio como outro qualquer. Consta que o Urban Beach referiu várias vezes a necessidade de policiamento público no exterior da discoteca. Não há, não vê, as forças policiais aparecem quando é chamada depois de alguém ficar sem carteira.
4. Creio que estamos de acordo quando digo que o Urban Beach e a PSG são um negócio. Assumo que os respectivos donos não estão interessados em má publicidade e polémicas que envolvem o nome das suas fontes de rendimento e que da emprego a tanta gente.
5. Sendo um negócio, não acredito que a PSG diga aos funcionários que em caso de desordem, depois de um homem estar neutralizado no chão, lhe salte em cima da cabeça. Ou seja, o que se vê no vídeo é uma decisão individual, de abuso é certo, mas é uma decisão de um segurança que tomou de livre arbítrio numa fúria cega que é possível ver-se no vídeo.
6. O Urban Beach tomou conhecimento da situação, contactou o serviço de segurança e os abusadores foram afastados. Um procedimento normal e o que seria de esperar da casa. Depois disso, o resto não é problema da discoteca uma vez que não são seus empregados e as pessoas normais do Grupo K devem pensar que não podem culpar uma empresa inteira, a PSG, pela decisão individual de um ou dois colaboradores que decidiram passar dos limites. Já é suficiente o trabalho que deram ao encarar agora uma crise mediática que erradamente envolve o nome do Urban Beach por causa de dois gajos mais nervosos, colaboradores de um serviço subcontratado.
E agora, pensar com a cabeça em vez de ir com a carneirada:
7. De que forma é que o Urban Beach é responsável pelo abuso que se viu, sendo que se trata de uma decisão individual?
8. Faz-me impressão o vídeo. Sim, abri a boca de espanto ao ver. Mas depois uso a cabeça e penso: como é que se trava um gang, um grupo de pessoas desordeiras com más intenções que invade a saída de um espaço de diversão pronto a espalhar o terror e a roubar? Eu que não sou deste meio vou apostar os meus milhões e dizer que isto só é travado com o uso da força. Provavelmente é necessário mandar um abaixo um para provocar medo no grupo e fazê-los recuar em modo colectivo. Não vamos ser ingénuos ao ponto de pensar e afirmar "os seguranças deviam ter-lhes dito para estarem quietos", como se estes merdas fossem criaturas obedientes.
9. Depois, temos ainda a alegada "fama" do Urban Beach que barra pessoas à porta e enfia pancada nos clientes. Não vamos ser ingénuos outra vez. Lembrando que os serviços de segurança são subcontratados, em tantos anos que frequentei as discotecas do Grupo K eu e os meus amigos não éramos mandados sair das filas de entrada, mas também tenho de reconhecer que íamos para nos divertir, não tínhamos aspecto de ter saído do caixote de lixo, não tínhamos roupas nem comportamentos evidentes de gang. O que é acham, que os meninos de coro saem da missa de pólo, vão à entrada da discoteca e apanham até lhes partir os dentes? Não. O Grupo K nunca foi lugar para bêbados desordeiros e mitras. E pelo tipo de pessoas que frequentem este espaço (sem nunca terem apanhado uma carga de porrada), com isso atraem a fina flor do entulho da sociedade no seu exterior, quais abutres em busca de um momento de tensão pelo qual vibram, uma cena de porrada, mostrar que têm força e capacidade de roubo. Como será de calcular, se um destes parvos mitrosos ou o betinho bêbado desaparecer da frente quando lhe disserem "vai-te embora", o confronto físico não acontece. Não vamos ser parvos.
10. Eu sei que isto vai chocar, mas para mim aquele vídeo só peca a partir do momento em que o segurança tem um homem neutralizado no chão e continua a bater-lhe, saltando-lhe em cima. Porque até ali, depois de saber a verdade, só vejo o uso da força como única solução. É triste, é horrível, faz impressão, mas é necessária. Enquanto para mim uma cara feia e um par de berros me deixavam cheia de medo e em fuga, não acreditem que o mesmo acontece com este tipo de desordeiros.
Depois penso também: vamos imaginar que a minha filha sai à noite com os amigos. Prefiro que vá a um espaço onde a segurança se mexe e não fica a ver. Entre a minha filha assaltada e um membro de um gang deitado no chão em sangue, desculpem lá, mas o último não ganha a minha simpatia.
Isto faz lembrar aquele caso de um GNR que perseguiu um criminoso numa carrinha após um assalto, baleou os pneus, a bala entrou na traseira da carrinha e matou o filho do criminoso que seguia escondido atrás. O GNR viu a vida devassada, foi suspenso, ficou sem vencimento, passou necessidades, viveu de caridade e ainda foi condenado a pagar ao pai da vítima uma indemnização choruda, que na verdade foi uma empresa que juntou funcionários e pagaram a indemnização ao filho da puta. Eu e o PAM contribuímos e ajudámos o GNR a conseguir o montante necessário, sendo que não o conheço de lado nenhum, nunca falei com ele. Ajudámos porque ficámos envergonhados com a justiça deste país. Queremos polícias que nos defendam?
O que é que estamos a transmitir aos criminosos?
Agora que a tonta petição fez efeito, que o governo está metido nisto me vez de estar a trabalhar em tentar descobrir onde pára o dinheiro das doações dos fogos deste ano, os vossos filhos merecem discotecas onde entrem estes mitrosos, lhes saquem a carteira e o telemóvel e ninguém se chegue à frente para os defender porque pode dar chatice.
Não se preocupem, afinal, quando o Urban Beach e a PSG forem afastados (devido ao resultado de decisões individuais de um serviço de segurança subcontratado), o vosso argumento "quero que o meu filho possa sair à noite" vai agora fazer muito mais sentido.
Quando dentro da próxima discoteca do momento qualquer mitra puder entrar e limparem tudo o que os vossos filhos tiverem nos bolsos, alguém há-de emprestar um telemóvel para ligarem para casa nervosos, com um enorme sentimento de injustiça dirão: tanta gente à volta e ninguém foi capaz de me defender.
Think out of the box. Carneirada é que não, por favor.
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O texto parece ser de difícil compreensão, pelo que deixo esta adenda:
1. Usei a expressão "carneirada" para quem assina uma petição porque ela circula na net. Não chamei "carneiro" a quem não concorda comigo, até porque quando escrevi o texto ele não estava publicado, logo não tinha comentários, logo não poderia saber se os leitores concordavam ou não. Get it? Nem tive nenhum momento de futurologia.
2. Em nenhum momento acho exemplar o que aconteceu.
3. O que aconteceu é crime.
4. Ver o vídeo levou-me a fazer expressões de espanto e horror.
5. O que eu digo, a opinião que expressei, é que isto não é tudo branco ou preto, existem áreas cinzentas. A pessoa estendida no chão fazia parte de um grupo que estava no local para provocar distúrbios; os seguranças em questão não são trabalhadores da discoteca, foram chamados para ajudar e a partir de um certo ponto agiram por sua iniciativa pessoal. Logo, no caso em apreço, não existe responsabilidade do Urban (neste caso). No entanto faz-se crer que isto é tudo culpa do Urban, o que considero estúpido (é a minha opinião, aceito que tenham outra, mas não me macem com isso, apresentem antes argumentos).
6. Este é um comentário de FB na página de um jornal. Não conheço o autor.
Retirando a atenção das questões de português (é inevitável), isto leva-me a outro ponto de vista. Independentemente de existir no vídeo uma sova brutal que constitui crime, segundo consta, este grupo dirigia-se para a frente do Urban há semanas, com o objectivo de roubar e provocar distúrbios.
7. Ao que parece, segundo as testemunhas, uns bandidos queriam telemóveis, outros queriam vingar em cenas de porrada numa constante provocação.
8. O Urban deve meter na discoteca umas duas mil pessoas numa noite. Quantos seguranças há para cada 100 pessoas?
9. Os seguranças defendem as pessoas com o corpo, não têm mais nada que os defenda, a lei não permite. Não há sequer direito a umas algemas para segurar bandidos e aguardar pela polícia.
10. E chegamos à minha grande questão e é sobre isso que o texto trata: o que se fez foi errado, é crime, mas nós, no lugar de vítimas nas mãos destes bandidos, provocados para dar a carteira, o telemóvel, para encetar uma cena de porrada, enfiados a um canto rodeados por este tipo de gente da qual não conseguimos calcular o passo seguinte, ninguém faz nada, chamam os seguranças de um espaço que já está fechado, queremos que nos defendam e sair dali ilesos, quando chegam os seguranças dizemos: "parem com isso, não têm legitimidade para bater em mitras!" ou pedimos por socorro? É aqui que está a área cinzenta. Não é legítimo, mas o que nos resta?
11. Alguém acredita que a polícia ainda não tinha sido chamada? Onde está ela no vídeo?
12. Existem outras pessoas que usam a expressão "mitra" e ela está aqui, no ponto 10 do Priberam. Inocente aquele que acha que não somos diferentes e que é errado rotular pessoas com base na sua aparência. Se largados à meia-noite um beco escuro de Juarez, México, fazem juízos de valor a quem vos aparecer pela frente a prestar ajuda? Será ajuda ou "ajuda"? Nunca tiveram medo de uma pessoa na rua? Sim, todos fazemos juízos de valor que podem estar errados. Mas qual é o rácio de deduções acertadas para erradas? Julgar uma pessoa pelo seu aspecto atempadamente, dando possibilidade de risco de fuga, pode salvar uma criança de ser raptada, uma mulher de ser violada, um garoto de ser assaltado. O que há de tão errado em julgar as pessoas? Não percebo.
13. Em suma, o que aconteceu foi horrível, é crime, mas o que quero dizer é que há muita hipocrisia por aí. Eu preferia ver um bandido no chão ensanguentado do que ser eu com uma faca encostada ao pescoço a pedirem-me o iPhone. E isso não significa que aprove a violência ou que ache que tem desculpa, significa que há indivíduos que não deixam muita opção e outros que não sabem medir quando já chega.
14. Já estive numa situação em que me bateram porque sim. Tinha 14 anos, porque era evidentemente frágil, porque me cruzei com pessoas de bairros sociais que me provocaram "estás a olhar?", porque estavam sedentos de mostrar poder, porque olhei para o chão, porque acelerei e fiquei rodeada, porque estava no lugar errado à hora errada. Bateram-me tanto, tanto, tanto. Não tive hipótese. Estive dias a perder cabelo às pás, fiquei cheia de nódoas negras, rasgaram-me a roupa, senti-me humilhada, abandonada, não houve quem me defendesse e havia pessoas a ver. Vivi um momento de terror tal que urinei e molhei nas calças. Fui gozada no fim por ter perdido o controle da bexiga. Lamento, não me custa nem um bocadinho quando a este tipo de merdas o feitiço se vira contra o feiticeiro. Mas isso não significa que sou apologista da violência.