30.1.17

Padariagate


Há dias estoirou uma polémica por causa das declarações proferidas à TV por um dos sócios da Padaria Portuguesa. Não liguei, não fui ver (tenho mais coisas para fazer), mas o crescendo da polémica no FB e o boicote à Padaria Portuguesa era tal que ao fim de uns dias tive de me render e ir procurar onde estava o drama.

Vi o vídeo, cheguei ao fim e fiquei na mesma. Senti-me completamente ignorante, não percebi. Não apanhei o drama nacional e perguntei-me o que é que o homem disse de mal que eu não estava a ver. Inclusivamente vi o vídeo mais do que uma vez para perceber.

Devo confessar que não tenho paciência para aquilo que eu chamo de "mentalidade de empregado". Há dias estava a almoçar e encontrei um amigo que trabalha numa companhia aérea. Contou ele que tinha estado enterrado numa qualquer cidade no norte da Europa, num inverno rigoroso de -20ºC, nada que se pudesse fazer (em jeito de lazer), tudo fechado no hotel à espera que um stress qualquer se resolvesse com o avião para poder regressar a casa. Nisto, apercebeu-se que no hotel estavam os colegas todos contente a contar os minutos, pois a partir de determinada tempo de espera podiam recusar-se a voar. Ele só queria era ir para casa. Contava a história e eu é que suspirava: "não tenho paciência para mentalidade de empregado".

Não tenho mesmo, só me apetece virar as costas a este tipo de gente. Come-me por dentro ter de gastar o meu tempo com estas mentalidades.

Este meu conceito de "mentalidade de empregado" reflecte-se numa total ausência de amor à camisola, num "eu trabalho mas só porque é preciso", num "ao que me puder safar meto já os papéis", numa total falta de interesse, empenho e muitas vezes, de noção. Se a lei previa que aquelas pessoas se pudessem recusar a voar? Sim, mas não era uma obrigação. Então, para quê? Para dormir mais uma noite numa cidade fria da Europa em vez de regressar a casa? Para dar um prejuízo enorme à companhia que lhes dá de comer num somatório de contas a prestar ao aeroporto, todas as indemnizações aos passageiros que ficariam furiosos, ter de os instalar em hotéis e ter de lidar com as repercussões negativas à imagem da companhia? Mentalidade de empregado, "eu não sou de cá, isto não é meu, só faço o que é minha obrigação e mais nada".

Para ter empregados assim, lamento a honestidade, mas prefiro substituí-los. Ainda me lembro de o meu sócio estar a dar formação a uma pessoa que escolheu, em entrevista parecia ser a melhor, mas depois revelou-se uma profunda falta de noção para a qual ainda hoje não tenho palavras. Para evitar criações com falta de gosto, em dias que tivesse de falar com clientes, sugerimos vestir calças pretas. Resposta: "mas você veio dar formação de calças de ganga!". Aquele foi o momento em que morreu para mim a hipótese de continuidade, uma pessoa que responde com este argumento não serve para mim. Ainda lhe foram dados mais dias de oportunidade, mas as respostas deste género acumulavam-se num jeitinho de respondona "a última palavra fica para mim". Dispensada, não percebeu o motivo. E também não valeu a pena explicar, mas percebeu-se porque era tão nova e já levava dois anos de desemprego. A noção não se ensina a um adulto, ou se tem ou não tem. E é bom que possamos dispensar funcionários que não correspondem ao que procuramos para as nossas empresas.

Trabalha-se muito mal em Portugal, é difícil acertar. A questão de Recursos Humanos é muito complicada. Por outro lado, da parte que me toca, gosto de agradar quem merece, quem é leal e veste a camisola. Foi por isso que já sugeri retirar dos lucros e dar a quem se esforçou. Dar e reconhecer o bom trabalho é importante e os colaboradores que trabalham comigo sabem que têm bons patrões.

Continuando a polémica da Padaria Portuguesa, qual é o mal de pagar o ordenado mínimo? Ou aliás, de se pagar um pouco acima e, uma vez subindo o ordenado mínimo, ficarem igualados? Se se ganha mal em Portugal? É verdade, mas também não se produz para ganhar milhões e o mercado é a atirar para o cocó, com muito pouco poder de compra (é um círculo vicioso). Mas o que eu não percebi foi o escândalo de um empregado de balcão ganhar o ordenado mínimo. É suposto receber como um engenheiro? Conheço engenheiros a ganhar menos do que eu! Quantos licenciados há por aí a receber 700€? É o ordenado mínimo alguma vergonha para quem tem o 9º ano? Compreendo que não é o ideal de vida, que não é o que todos preferimos, mas podemos esperar que um empregado de balcão receba como um licenciado? Isso é realista?

Os patrões da Padaria Portuguesa gostariam de contratar funcionários a 60h/semana, mas a lei não permite. Têm de contratar por 40h/semana e o restante é pago como hora extra a uma fortuna que não compensa à empresa, mais vale ter outro empregado. Se existem empregados interessados em ganhar mais (e que até têm de ter mais de um trabalho), se existem empregados interessados em fazer essas horas ao valor que oferecem (igual às restantes 40h), se a empresa tem interesse, qual é o mal nesta proposta?

Vejamos, as pessoas não trabalham para aquecer nem para ter prejuízo. Se me sai mais barato ter dois empregados em vez de dar a um mais horas de trabalho, eu vou preferir ter dois empregados. Em suma, o que quer a Padaria Portuguesa é maior produtividade e dar mais horas de trabalho remuneradas a quem as procura. Isso é mau?

Eu dou emprego a pessoas. É caro ter empregados, é uma dor de cabeça quando não correspondem, fico maluca ter de explicar a um funcionário que não dá broncas mal-educadas a um fornecedor da minha marca por sua livre e espontânea vontade (mas o que isto? A marca é minha e nem eu trato as pessoas assim!) e para ter pessoas com esta mentalidade e este tipo de iniciativa descabida, muitas vezes mais vale não ter. Eu quero poder dispensar e rodar, até acertar. Recentemente fiz uma escolha que me está a moer mas a pergunta que me faço sempre é: existe alternativa mais competente? E não sei responder, é muito difícil. Não existem pessoas perfeitas, não existem empregados perfeitos, mas caramba, há coisas elementares!

Quando trabalhava por conta de outrem, a hora de almoço era para mim das coisas mais fastidiosas que havia. Por mim não comia, mas já que tinha de comer, fazia-o à frente do computador enquanto trabalhava para ir adiantando o que havia para fazer. Preferia despachar-me mais cedo. Ainda hoje faço isso, comer em frente ao portátil. Admito, é uma vontade que não é comum a todos, mas era uma opção que a lei não me permitia, tinha obrigatoriamente de fazer hora de almoço e então tive de acordar isto pessoalmente, à margem da lei. Mas não permite por que motivo se era o que eu preferia fazer? E nesse sentido, uma maior flexibilização entre o que as empresas querem e os trabalhadores procuram, era mau? Parece que o homem foi à TV pedir escravos! Não, ele pediu novas leis, mais orientadas para o que procuram patrões e empregados.

Isto de ter um negócio, quem dá o corpinho ao manifesto, quem investiu o seu dinheiro arriscando-se todos os dias a ficar sem nada, quem teve uma ideia e a colocou em prática, quem dá emprego, quem paga mais impostos do que um assalariado por conta de outrem, quem vive com preocupações, quem não tem horários de trabalho, quem envelhece mais cedo e quem se dedica a uma vida trabalhosa na esperança de vir a ter um futuro melhor, só essas pessoas percebem. É preciso estar lá, pôr as mãos na massa, passar pela experiência e pelas dores de cabeça.

Ponham os olhos nos países do norte de Europa, onde comem uma sandes à hora de almoço, onde produzem mais em menos horas (em comparação com os países do sul da Europa), onde se ganha mais, onde as condições de vida são melhores e onde muitos países aplicam a regra do 8h + 8h + 8h = 24h (8 horas para trabalhar + 8 horas para dormir + 8h para viver, perfazendo as 24h de um dia).

Ou então não, esqueçam isso. Vamos para a mentalidade portuguesa do boicote à Padaria Portuguesa: um grupo de sócios cria uma marca, a marca é um sucesso, abrem 50 lojas em poucos anos, têm mais de mil empregados, os sócios são da opinião que o mercado de trabalho devia estar mais orientado para a produtividade e para dar trabalho (remunerado) a quem o procura, pior de tudo, dizem o que pensam, e a resposta de alguns portugueses é: "nunca mais lá meto os pés", "o pão é uma merda", "espero que fechem", "a mim não me enganam mais". 

Já diz este texto: "Em Portugal, dá mais votos, mais likes, mais partilhas nas redes sociais atacar o gestor (...) queremos mais emprego, melhor emprego, mas não gostamos dos que arriscam para o criar. Há até pedidos de boicote à Padaria Portuguesa, como se percebe, o melhor caminho para mandar mais umas centenas de trabalhadores para o desemprego!".

É a chamada não-polémica. Eu vou e continuarei a ir à Padaria Portuguesa, como compro na ZARA sabendo que muita da gente que costurou a roupa que comprei vive vidas miseráveis, se calhar a trabalhar 16h/dia a 1$/dia. E vou à Padaria Portuguesa porque os bolos de laranja ou de chocolate são maravilhosos, porque o croissant brioche é o melhor de sempre e porque o pão de Deus me cai sempre bem com fiambre.

Vou porque gosto, porque têm coisas de que gosto muito, não para marcar nenhum statement para fazer ver coisa nenhuma, pois duvido que os meus amigos estejam interessados onde é que eu como bolos.

É que se for para condicionar a vida e as compras conforme o que pensa cada dono de negócios por não ir de encontro aos meus ideais, é melhor ir viver para o meio da floresta, numa cabana construída por mim (porque o gajo que faz os tijolos não me agrada) e a comer da minha horta que cavo com as minhas unhas (porque o gajo que produz os ancinhos não me cheira).


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© A Maçã de Eva

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