7.3.16

Porque sim


Está a cidade em polvorosa porque o Jamaica, o Tokyo e o Europa, conhecidas e muito antigas discotecas de Lisboa, no Cais do Sodré, vão fechar. É um "não há direito" que vou lendo nas redes sociais que não me faz sentido nenhum.

Confesso que nunca fui habitué dos espaços, pelo que não sinto da mesma forma, devastada, mas percebo o sentimento de pena. Fiz parte daquilo a que chamo de "os anos de ouro" da Kapital, não havia nada como aquela discoteca, representou uma óptima fase da minha vida (e de tantas outras pessoas da minha geração) e tenho pena que tenha acabado. Mas é só pena, pelo simbolismo que carregava, pelas histórias que aquele espaço poderia contar, pelas gargalhadas que poderia mostrar. Sei perfeitamente que a Kapital daquele tempo não poderia voltar nunca mais e se o espaço abrisse, a frequência seria outra, a minha geração não estaria lá para ver.

Aqueles edifícios do Jamaica, o Tokyo e o Europa são uma obra curiosa. Ficamos a olhar e não percebemos como ainda não ruíram. Parece que estão presos por um fio. É desde o ano passado ou há dois anos, a zona trendy de Lisboa, pintaram a rua de cor-de-rosa, passaram a chamar de Rua Cor-de-Rosa, ficou francamente giro e animado. Mas temos de ser honestos, há edifícios presos por uma linha de costura. De tal forma que em 2011, um (ou dois) desses edifícios tiveram de fechar por uns tempos devido ao risco de derrocada. Explicando de melhor forma: está tudo podre!

E é isto que querem que se mantenha, quem sabe até ruir de vez um dia, não sei quantos mortos e soterrados a abrir telejornais e aí era um "aquilo já devia ter fechado há que tempos". As condições são tão más, tudo tão velho, que lembro-me de uma noite no Jamaica (?) onde estava tanta gente, tanto calor, que se criavam vapores e pingava do tecto, como se estivesse a pingar do andar de cima. Além de desagradável, é uma coisa porca.

Mas mais do que isso, não compreendo a ira ao género "este é um direito que me assiste, tem de se manter aberto", por um imóvel que quem o tem, naturalmente pretende rentabilizar. Ou seja, se cada um destes lamentadores fossem proprietários de um prédio em Lisboa, numa zona que vale cada vez mais, onde existe uma discoteca de onde recebem 200€ de renda, vão manter tudo como está até cair para que os lisboetas não morram de pena? Ou aceitam a oferta de um hotel, vê o edifício reabilitado e ganha umas massas?

Foi a mesma coisa com o cinema Londres. Ninguém escolhia ver filmes numa sala tão antiquada com oferta mais moderna espalhada pela cidade. Perante o anúncio de se transformar numa loja de chineses foi um "ai, Jesus!", já todos queriam ir ali ao cinema, uma sala que o dono naturalmente queria rentabilizar. Logo depois do choque, os lisboetas esqueceram, já não se fala nisso.

O Jamaica, o Tokyo e o Europa não são a mesma coisa que os cinemas Londres, às moscas, estes têm clientela, mas queriam acabar uma noite soterrados? Olhando para aqueles prédios não dava mesmo para perceber que um dia (que estaria para breve) aquilo acabaria fechado? E não terão os donos dos imóveis direito à oportunidade de ganhar umas massas em vez de ficar sem nada e agradar à clientela dos espaços?

Eu percebo o sentimento de pena, às vezes há tristeza na mudança, perceber que estamos a ficar velhos, que as coisas que gostávamos já não são como eram antes, isso tudo é uma tristeza. Mas depois temos de distinguir o certo do errado e o que "tem de ser" do "não havia necessidade".

Também deve ter sido um desgosto para os meus pais quando os míticos AdLib e o Bananas (de que tanto ouvi falar) fecharam. E a vida continuou, os espaços deram lugar a óptimas memórias.




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© A Maçã de Eva

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