22.3.16

Cruzei-me com um ex-namorado


Ontem cruzei-me com antigo namorado. Olhando para trás, não posso dizer que ele tenha sido espectacular para mim. Racionalmente devia desejar hemorróidas vitalícias e corrimento peniano a quem acabou uma relação por telefone enquanto estava a caminho de casa dele para irmos ao cinema que ele sugeriu. Não soube ver na altura, mas mais tarde soube ver que nunca gostou de mim. E não se pode obrigar alguém a gostar, não lhe levo a mal. Olhando para trás, fico mais zangada pela fingida enchente de esperanças que me enganou do que com o facto de não se poderem criar sentimentos onde não os há.

E ontem, tantos anos depois, quando ia a sair do ginásio, suada, porca, feia, de fita na cabeça e cabelo colado, deparei-me à porta com uma tempestade de chuva e granizo. Saí junto ao prédio para me proteger da chuva, passei encostada às janelas de vidro que dão para o interior do ginásio, olhei para dentro por acaso e lá estava ele, vestido de fato numa mesa falando com outro homem, este de costas para mim.

O gajo não envelheceu um ano. Nada! Está igual!

Olhei, ele olhou e voltou a virar a cara. Não sei se quis fingir que não me viu ou se viu alguém, uma pessoa, e virou a cara, não percebendo que era eu. É possível.

Ao olhar, depois de constatar que não havia uma ruga ou uma pele pior a somar idade, pensei com surpresa: "olha quem é!". Noutros tempos haviam de me tremer as pernas dos nervos, o coração disparava ameaçando um enfarte, começava a ficar indisposta e os intestinos a querer mandar a matéria toda para fora. Noutros tempos, imediatamente pegaria no telefone para ligar à Li ou à Kiki em modo parvo-sem-inteligência: "o que é que eu faço??!", esperando das minhas amigas sábias recomendações que seriam altamente bem sucedidas.

Noutros tempos, fugiria dali para me recompor da surpresa e depois de respirar fundo, havia de me colocar a jeito de ser vista e forçar um encontro. Quem saberia o que poderia sair dali? Talvez a surpresa do encontro provocasse uma conversa, depois um telefonema, depois quem sabe um jantar. Bem vistas as coisas, tudo para reatar uma relação que nunca me fez particularmente feliz, mas com a eterna esperança do "agora é que vai ser!". A esperança nunca foi amiga das desilusões amorosas, anda de braço dado com a burrice.

Esquemas e mais esquemas. Depois crescemos. Ou melhor, umas pessoas crescem e aprendem com os erros, outras ficam sempre na mesma. As que crescem, passam a valorizar quem valoriza, deixam de querer apenas agradar para serem o que o esperam delas, passando a ser elas próprias, com todos os defeitos e sem medo de os mostrar.

Tenho pena que não me tenha visto ou fingido que não me viu, gostava mesmo de lhe perguntar o que é feito, onde está a trabalhar, se casou e tem filhos, onde tem andado estes oito ou nove anos em que mais nada soube dele depois de ir trabalhar para a Ásia. Genuinamente, gostava de saber dele e de coração, desejar-lhe que todos os objectivos e ambições se concretizem.

Por mal ou por bem, todos os namorados que me fizeram sofrer trouxeram-me aonde estou: segura de mim, das minhas coisas, dos meus projectos, sem aturar merdas de alma alguma e com uma pessoa que não poderia ter mais a ver comigo. Ah, os trintas são tão melhores que os vintes, somos tão mais sábias.

O sofrimento amoroso pode deixar-nos de rastos. A mim deixou, vezes seguidas. Sempre ouvi dizer que "tudo passa" e estas respostas de suposto conforto caiam-me como tijolos no peito atirados à força bruta. Ninguém percebia como me sentia ou eu não me conseguia explicar. Para mim o mundo tinha acabado, nunca mais ia ser feliz quando, se soubesse, ainda nem sequer tinha encontrado o melhor da felicidade a dois.

É incrível como há pessoas que nos magoaram tanto que depois do tempo passar deixam em nós um que é feito de ti?, acompanhado de um sorriso genuíno, de um conta-me que andas a fazer da vida!, tudo regado a um interesse verdadeiro de saber, de dar dois dedos de conversa e um beijinho.

E depois disso, voltar a casa, àquilo que me preenche e rir no elevador lembrando o que sofri por merdas que não valiam a pena. Tudo passa mesmo. E não só passa como se torna indiferente. Mas leva o seu tempo. Por isso, quando disserem a alguém que um desgosto passa, digam também que o tempo demora, mas é implacável.




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