13.5.15

O bullying já foi comigo

Houve um tempo que fui vítima de bullying. Bater, bateram-me uma vez; verbal durou alguns anos, não sei dizer quantos.

Começou na minha rua, numas férias de verão. Ao lado de minha casa havia um campo de futebol de piso liso onde se podia patinar, que era a minha paixão. Eu, as minhas irmãs e às vezes umas vizinhas do meu prédio patinávamos por ali nas noites quentes de verão.

Nunca fui de andar na rua por motivo nenhum. Excepcionalmente, era tempo de férias, podia ir patinar, bastava pedir. Mas estar na rua por estar, sem fazer nada e apenas para me dar com os adolescentes dos prédios ao lado que a minha mãe reprovava, isso não. E custava-me horrores, às vezes via-os da janela, achava-os super cool, divertidos, eu queria ser amiga e integrar-me. Então aproveitava as noites de patinagem para tentar fazer amizade.

Mas não fui bem sucedida, era a menina endinheirada das escolas privadas, imatura certamente, uma nerd que falava duas línguas, tinha gosto em patinar e muito, mas muito ingénua. Da boa intenção que tinha em fazer amizades passei a ser chamada de "laxante", de "purgante", juntavam-se para cantar músicas horríveis a meu respeito. Olho para trás e pergunto-me o que poderia eu querer com aquele bando de anormais, de QI reduzido, broncos e labregos. A minha mãe não era parva, mas eu não percebia.

Se passasse na rua era certo que ia ouvir alguma coisa desagradável. E eu continuava, fingia que não era comigo. Mas estes anormais muitas vezes procuram a provocação, o confronto, na sede de mais uma cena de rua. Como no dia em que saí de casa com um blazer novo, muito vaidosa, e da esquina do prédio saiu um anormal que puxou do mais fundo de si e já só senti bater nas costas do meu casaco novo a escarra espumosa.

Uma noite de Agosto fui patinar, estava por lá uma gaja que nem me lembro o nome, muito ao género das tipas do vídeo. Eu era pele e osso, sem formas, magra de dar dó, garota de 14 anos, ela era mamalhuda, a atracção dos homens. Ela era muito cheia de si própria e do par de mamas que tinha. Por razões que não me lembro por mais esforço que faça, começou a bater-me. Eu era absolutamente insignificante, não poderia ser nada que tivesse feito ou dito, eu queria que gostassem de mim. No fundo acho que me bateram por existir, por ser o elemento mais fraco que ali estava.

Enquanto ouvia gargalhadas ao fundo, ela batia-me tanto, mas tanto, na cabeça! Puxou-me os cabelos até me saírem madeixas. Caí ao chão de joelhos e nesse momento ela inclinou a força do corpo dela para trás, como quem transporta um corpo, e arrastou-me no chão pelos cabelos, como se fosse arrastada no asfalto por um carro presa no cinto.



Não tenho como explicar o estado em que fica um couro cabeludo sujeito a uma agressão destas. Nos dias seguintes dói horrores apenas com uma corrente de ar.

O corpo reage, os nervos, o medo e o terror provocam uma injecção de adrenalina, de alguma forma consegui levantar-me do chão, agarrei-me ao top dela e sem saber como rasguei-o. Ficou de mamas à mostra para gáudio da rapaziada. Não foi intencional porque eu nem sabia no que estava a agarrar, foi o que me apareceu pela frente para tentar impedi-la de continuar. Se agora mesmo tentasse rasgar um top de algodão e lycra pela gola e apenas com a força das minhas mãos, não conseguiria. Não sei como foi possível, sei que foi consequência do medo.

Mas este disparar de nervos e adrenalina trouxe-me mais uma humilhação: com o descontrole nervoso, toda eu tremia e fiz xixi nas cuecas. Estava de calças de ganga, ficou tudo molhado até aos joelhos, percebeu-se perfeitamente e foi mais um motivo de gozação.

Calei a profunda humilhação e vergonha. Fui a casa, mudei de calças e voltei. Quanta estupidez numa garota, voltar para a arena, cheia de dores, feita um caco, fingindo que estava porreira. Não queria dar parte fraca, não queria sentir a humilhação de pensarem que era uma mariquinhas, uma medrosa, não queria que soubessem que tinha feito xixi nas calças e escolhi a dedo uma ganga o mais parecida possível, mas não fui bem sucedida porque ouvi logo "mudaste de calças?", seguido de muitas gargalhadas.

Fiquei cheia de hematomas e no dia seguinte bastava passar a mão pelo cabelo que ele saía. Prendi o cabelo num rabo de cavalo durante dias sem me pentear, com medo de ficar careca. Desse dia guardo uma cicatriz no joelho até hoje. Acho que a minha mãe nunca soube, lê agora, e nunca terei contado isto ao PAM.

Por isso, quando hoje li textos de psiquiatras dizendo que os agressores depois de denunciados sofrem muito, eu tenho vontade de os mandar à merda. Quando as pessoas se indignam que não devem ser reveladas as caras que é perigoso para os agressores, ai que isto ainda pode correr mal, eu estou-me cagando. Não há em mim um qualquer sentimento de compaixão. Por mais polémico que isto possa vir a ser, adolescentes ou não, se quiserem acabar com a própria vida, be my guest, que pena é garantido que não tenho. Eu não quero saber se a divulgação das suas trombas tem efeitos na vida dos agressores, eu quero que tenha efeitos na vida dos agressores!

É evidente que eu não defendo a justiça na mesma moeda, muito menos defendo sugestões de vingança na praça pública, acho isso nojento, uma barbárie. Mas dentro de casa, se os pais (e só os pais) lhes quiserem dar uma tareia de cinto, tirar telemóveis, férias, cinemas, regalias e pô-los a fazer voluntariado o verão inteiro sem um dia de praia, eu cá não me oponho. Eu não lhes desejo a morte, mas é verdade que lhes desejo tantos castigos.

Eu não quero saber se são fruto de famílias desestruturadas, se o pai e a mãe não se dão bem, se o avô é alcoólico, que os coitadinhos não conseguem expressar as emoções de forma adequada e têm falhas nas suas relações sociais. Isso nos livros e dito por psiquiatras é tudo uma teoria linda sobre a cabeça do ser humano, mas para mim são escolhas, escolhas conscientes, porque aquela gaja nunca quereria ter trocado de lugar comigo e portanto sabia bem que era errado e provocava danos. Eu acredito que sofram, não tenho mesmo dúvidas, mas é um sofrimento do ego, de vergonha pública.

Marcas que isto me deixou? Felizmente devo ser fibrosa e não carrego mais do que memórias tristes e uma cicatriz no joelho. Todos eles cultivaram um futuro de merda, uns morreram para overdoses, outros andam na manutenção da toxicodependência, a gaja que me bateu aos 25 já tinha quatro filhos de pais diferentes, os que trabalham têm trabalhos de merda e vidas miseráveis com rendimentos sociais mínimos e vidas estranhas.

Às vezes, quando vou a casa da minha mãe, passo por eles na rua, agressora incluída, sorrio e digo "olá". Eles devolvem o cumprimento. No fim de contas são uns merdas da sociedade com dentição incompleta e eu realizei-me.

Cheque-mate.






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© A Maçã de Eva

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