Nos primeiros dias de bebé comentei no facebook do blogue que tinha sido capaz de uma proeza: durante a noite a minha filha choramingou a chucha caída, liguei a luz para lhe devolver o consolo, mas entre pegar na chucha e levá-la à boca, adormeci a meio do caminho com o braço estendido. Não sei se aconteceu por uns segundos ou por uns minutos, mas achei que o episódio retratava bem o cenário de ter um recém-nascido ao lado da cama.
Duas noites depois um novo episódio aconteceu. Foi uma daquelas madrugadas más em que a criança se recusava a dormir, peguei nela e pu-la a dormir ao meu lado fazendo uma asa com o braço e encostando-a a mim. Foi o único método que resultou para podermos dormir, mas quando acordei perguntei ao meu marido se tinha sido ele a colocar a herdeira junto de mim, respondeu ter sido eu. E eu pura e simplesmente não me lembro de ter pegado nela.
Quando relatei o primeiro episódio no blogue li o comentário de uma mãe que me deixou a pensar. Dizia: “E digam-me uma coisa, mães: vocês nesse estado sentiam-se felizes?! Eu não... mentiria se dissesse que sim”.
O comentário não fez grande eco. Não sei se passou despercebido, se as mulheres se escondem no silêncio e se esse silêncio esconde uma “vergonha”, um sentimento que não é suposto sentir. A sociedade dita que a gravidez e o nascimento de um bebé devem ser a representação da felicidade máxima de uma mulher, o dia do nascimento deve ser o dia mais feliz na vida dela e quem não corresponder a este estereótipo é uma mulher sem coração, uma mal-amada, um bicho raro, no limite uma mal-agradecida pelo que a vida lhe deu quando existem tantas mulheres que não conseguem ter filhos.
Cada mulher terá uma sensibilidade diferente à nova realidade de ter filhos, mas eu estou no mesmo saco da leitora que teve coragem de dizer que os primeiros tempos não eram representação de felicidade. Também não é que me sinta infeliz e miserável, mas para mim não existe grande felicidade num recém-nascido. Não é que não se goste do bebé, nada disso está em causa. Os bebés são um docinho, especialmente quando estão a dormir e ficamos a namorá-los com o olhar no berço.
Mas ter um recém-nascido é muito mais do que isso. É não dormir, é ouvir gritos e um choro que nos entra na cabeça como um berbequim (isto não é força de expressão), é ter de alterar horários, é não poder sair de casa, é ter a paciência reduzida e em simultâneo um mundo de pessoas a querer saber como está a correr, a pedir fotos e a querer visitar, é fazer sonos intervalados e precisar da cabeça para trabalhar, é somar fraldas sujas que chegam ao limite do caixote de lixo, é esgrimir mil e uma estratégias para nos facilitar a vida (temo-nos deitado às 22H), é comprar horas de sono ao bebé e reduzir o cansaço enquanto nos perguntamos também mil e uma vezes: “mas o que é que ela tem?”. E no caso da minha filha na maior parte das vezes não tem nada, simplesmente chora, porque sim.
Lamento, mas não há felicidade nestas alterações de vida. Pode haver felicidade em olhar para o bebé, podemos ter sentimentos de amor, mas tudo o resto, a tal “nova vida” de que se fala, essa não traz qualquer felicidade. Eu cheguei a chorar de desespero por entre os gritos e um choro que se prolongou nos meus ouvidos por 11 horas. Já sabemos que a privação de sono é um método de tortura, mas ouvir o choro de um bebé sem nada que o faça calar pode muito bem ser um método de sacar informação aos terroristas. Este episódio (ou deverei dizer dia inteiro?) deixou-me um amargo sentimento de arrependimento e a sensação de ter entregue a minha liberdade por algo que não me estava a fazer feliz. Não há felicidade possível numa cabeça fundida e com um raciocínio lógico comprometido.
Felizmente este sentimento não acontece todos os dias, mas aconteceu e por isso disse ao meu marido que não via felicidade no exercício diário de ser mãe. Pareço um boi a olhar para um palácio quando nos primeiros tempos me perguntam: “ser mãe não é a melhor coisa do mundo?”.
Adoro a minha filha, não está em causa o sentimento por ela, mas o exercício de maternidade de um ponto de vista racional e tudo o que envolvem os primeiros tempos, tudo o que limita e o desgaste mental e físico que traz, a mim não me proporcionou qualquer tipo de felicidade. E não posso dizer que tenha sido uma surpresa, sou uma pessoa extremamente racional, já imaginava que me fosse sentir assim.
Assumir uma coisa destas parece ser um choque para os outros e deve ser por isso que os pais passam a vida com a conversa “ah, mas compensa…”. Não compensa nada, não há aqui sistema de compensações, há de consequências. Para ter uma herdeira, uma “costelinha”, a minha vida teve de piorar. É assim, um preço a pagar, faz parte, e dizem que tudo melhora, a criança e a sensação de cabeça arrasada, o que é verdade. Por isso, se houver por aí mães que não estão a dar urros de alegria por terem um recém-nascido em casa, não se preocupem, não são as únicas e quem não achar isto natural cá para mim está a mentir.
No entanto é verdade que são uns docinhos quando estão a dormir, pelo menos a minha era. Quantas vezes exclamei: “tão bonitinha!”, mas isto é ela a fazer caras fofinhas e a manipular-me poucos dias depois de ter saído da minha barriga.