Há tempos recebi este comentário no Facebook do blogue (que não levei a mal). Rapidamente expliquei que tenho-me esforçado para que a página não gire à volta da minha gravidez. Sendo o blogue sobre mim e as minhas coisas, é natural que a gravidez faça parte, mais tarde fará parte o nascimento e depois a herdeira cá fora deve dar algumas histórias para contar.
No blogue, é tudo parte de mim (embora não seja o todo). É o meu trabalho, as brincadeiras na minha relação, as minhas viagens, o que cozinho e, naturalmente, a gravidez e o que está para vir. Um olhar atento aos posts no blogue ou no FB confirmarão que tenho procurado diversificar, não estou sempre a bater na mesma tecla, mas é inegável: qualquer post sobre gravidez faz disparar o número de leituras na página. É evidente que existe uma procura ou uma curiosidade natural, as pessoas querem saber mais sobre esta minha fase e eu acho interessante partilhar.
Este comentário da leitora fez-me lembrar um outro comentário que um primo teve comigo quando anunciei à família que estava grávida. A família é grande e poderia jurar que 90% das pessoas não acreditou imediatamente na novidade. Vindo de mim, houve uma imediata descrença, seria uma brincadeira? Até poderia ser, mas de mau gosto, nunca brinquei com estas coisas.
Nisto, repetiram-se as chamadas por telefone, as perguntas "é mesmo verdade?" e um primo que abriu o jogo perguntando se tinha sido planeado, o que confirmei, perguntando se tinha sido rápido, o que confirmei "rapidíssimo!". Comentou então que alguém lhe tinha sugerido que se calhar eu tinha problemas para engravidar, o que na cabeça dele rejeitou. Conhecia-me o suficiente para responder: "se tivesses problemas eu sabia que não ias fazer disso um segredo e um tabu". E sabia bem, não faria, não vejo nenhuma vergonha nisso, acho mesmo que falando as pessoas só têm a ganhar.
Não é segredo para ninguém que não adoro crianças, que nunca tive um enorme apelo à maternidade (escrevi sobre isso aqui), como não era segredo para mim que estando há sete anos com o PAM as pessoas estranhavam a falta de filhos. Mas eu nunca quis e fiz exactamente o que queria, só me disponibilizei a engravidar quando quis. Por algum motivo as pessoas em geral traçam um horizonte temporal que dita o prazo em que é normal ter filhos e a partir de quando estão juntos há tanto tempo que "não é normal que ainda não tenham filhos". E eu tenho pouca paciência para isto. Aquilo que é confortável para os outros pode não ser para mim e não guardo nenhum arrependimento de ter gozado bem a vida sem filhos, de ter feito quilómetros pelo mundo, de ter namorado e de ter investido nas minhas marcas. Sem filhos. Eu gosto da vida sem filhos, lamento.
Isto para dizer que, não foi o caso, mas as mulheres que se concentram na compreensível frustração pessoal de não conseguir engravidar, quando se deparam com grávidas que lhes dão a sensação de que se exibem, estão tão concentradas na sua frustração que não sabem se aquela grávida esteve anos a tentar. Não foi, mas poderia ter sido o meu caso e receber na mesma aquele comentário.
Eu lamento imenso a situação de mulheres que não podem ou não conseguem engravidar. Não são cenários que me estejam completamente afastados. Conheço quem tenha estado seis anos a tentar, consultas, tratamentos, sexo programado, seis anos de frustração até desistirem. Uns anos depois aconteceu naturalmente.
Tenho uma amiga a tentar há anos. Foi operada, sem sucesso. Está agora numa fase de se dar injecções a si própria e tentarem in vitro. Deve ter sido das últimas pessoas a quem contei que estava grávida porque não sabia como fazê-lo, angustiava-me esse momento e sentia que era quase uma injustiça dar-lhe tal novidade, ela que quer tanto e se esforça tanto, eu que nunca quis muito, que lá me decidi e engravidei num instante.
Durante a minha gravidez tive uma prima (um mês à minha frente) deitada na cama com hemorragias a fazer de tudo para não perder o bebé, enquanto eu grávida fazia ginástica. Com repouso acabou por correr bem e já pode fazer uma vida mais ou menos normal. Durante a minha gravidez, tive outra prima (dois meses atrás) deitada numa cama para não perder o bebé, rodeada de lenços e lágrimas, enquanto eu grávida fazia passeios e pequenas viagens. Esta prima não foi bem sucedida, acabou por perder a gravidez. Todas estas histórias do lado de dentro da família nos deixavam tristes, angustiados e quase com um sentimento de culpa.
A infertilidade ou as gravidezes mal sucedidas não são cenários alheios e para os quais não tenho sensibilidade. No entanto, todos temos de fazer a vida continuar e não faz sentido faltar com a partilha da minha experiência para que outras pessoas não fiquem feridas.
Com esta minha amiga a tentar há anos e entre injecções, eu estava a viver um filme, não sabia o que fazer, pelo que optei pela via mais natural: "Sinto-me meio comprometida de te contar: estou grávida. Não sei se estas coisas te deixam desanimada (não que quisesses roubar alguma coisa aos outros, eu sei que não tens sentimentos nenhuns desses), mas não sei se saberes de outras pessoas te deixam desanimada na tua espera, o que é um sentimento natural. Com jeitinho ou falta dele, só quero ter cuidado com os teus sentimentos. Conta-me tudo e desabafa o que quiseres".
Percebi então que a naturalidade, o dizer o que sentimos sem fazer de conta que não é nada connosco, é a melhor opção. Agradeceu-me o cuidado, confessou que foi difícil saber de outras gravidezes ao longo do tempo, mas que agora começava a habituar-se, a saber viver com isso e a ficar feliz pelos outros, ainda que se mantenha sempre triste por pensar "outra pessoa e ainda não fui eu".
Eu nunca conseguiria fazer da infertilidade um segredo. Falar é a melhor maneira de dividir o peso que vai nos ombros, desabafar, dividir os sentimentos e até de prevenir os mais desatentos para que não apareçam com perguntas "então, nunca mais têm filhos?". É das perguntas mais irritantes que existem, bem ou mal intencionadas. Devia ser proibido. Queres crianças, tem tu, não cobres aos outros.
Desconfio que tenho amigos nestas situações de insucesso e que não abrem a boca para falar do assunto. E eu acompanho o desejo deles, não faço qualquer referência ao tema. O silêncio não seria nunca a minha opção, mas tenho de respeitar quem sente que é a sua melhor opção.
Cada caso é um caso e mais vale fazer o que nos vai no coração do que ceder à pressão. Eu não queria ter filhos e ouvi "quando quiseres pode não funcionar, não vais para nova". Quando quis foi um instante mas, se estivesse no lugar da minha amiga, nem aos 18 anos ia conseguir, pelo que ir a correr tentar não serviria de nada. No entanto, se não tivesse conseguido, haveria certamente alguém pronto a vaticinar: "tivesses tentado mais cedo...". Há sempre uma necessidade de atribuir "culpas" e os "outros" são um problema e uma pressão que devemos sempre afastar da equação.
Nunca tive um enorme desejo de ser mãe, nunca me bateu à porta um relógio biológico a dizer "é agora", nem mesmo quando tomei a decisão. Mas pensei algumas vezes na hipótese de um dia me arrepender se não avançasse. Ao contrário do PAM que se perguntou várias vezes se conseguiria fazer bebés (acho que todos os homens se perguntam estas coisas), eu nunca dramatizei sobre a possibilidade de não ser capaz.
Mas não ter dramatizado não quer dizer que seja insensível aos cenários para quem engravidar se torna a única prioridade e objectivo, quase uma obsessão e, por isso, uma situação limite em que se vivem meses ou anos de desilusão, de despesas incalculáveis, um enorme desgaste mental, para não falar nas relações colocadas à prova em que algumas, infelizmente, não resistem.
Não posso dizer que domine o tema da infertilidade, mas deixei de tomar a pílula em 2012 porque quis (não para engravidar) e não tenciono voltar a tomar. Recorri aos ensinamentos da Patrícia Lemos (escrevi sobre isso aqui, todas as mulheres deveriam fazer um curso destes) e aquilo que aprendi, a forma como passei a conhecer o corpo para não engravidar, de forma inversa naturalmente também aprendi para engravidar. E quando quis, foi fácil.
Eu fiz um simples curso de "Educação e Saúde Menstrual", mas existe uma parte II desse curso, um dedicado a adolescentes em idade de ter a primeira menstruação, outro dedicado à infertilidade e não sei se existem outros. A Patrícia tem um vasto currículo em saúde feminina, é das pessoas mais inteligentes que conheço (dá gosto conversar com ela) e lembro-me de há tempos ter ajudado uma mulher com um bebé sentado, condenada pelos médicos a uma cesariana que não queria e a Patrícia ajudou a inverter a situação tendo o bebé dado a volta para um parto normal. No entanto, não é milagreira, não há cá rezas, não é disso que se trata! Pode haver situações em que não pode ajudar e outras em que é possível e eu recomendaria sempre uma conversa com a Patrícia a uma amiga que me dissesse que não consegue engravidar.
Considera-se que um casal tem problemas para engravidar ao fim de um ano de tentativas desprotegidas. Se esse for o vosso caso, peçam ajuda médica e, sempre, várias opiniões.
Sintam-se livres para contribuir com as vossas histórias.