20.1.21

O avô do João morreu. COVID-19 em minha casa. Não acontece só com os outros.

 


O avô do João morreu há dias. Uso esta frase logo para abrir o texto e motivar à sua leitura. 

Isto não acontece só aos outros. Na verdade, achei que tinha acabado de escrever sobre o tema depois do primeiro confinamento. 

Com o tempo, o grafitti que encontrei nesta parede passou a ser só isso mesmo, um grafitti. As pessoas habituaram-se a viver com o vírus e os números... bom, são números. Não são caras nem pessoas, excepto quando são os nossos a fazer parte da estatística. 

Não sou inocente, eu própria me habituei. Baixei a guarda algumas vezes, embora nunca tenha adoptado um comportamento irresponsável. Mas assim que a coisa começou a apertar com a chegada do inverno, aquela soltura que tinha em tempos de maior calor ficou para trás.

O avô do João tinha 90 anos. Não se sabe como foi contagiado, mas sabe-se que no Natal já estaria doente sem se saber. Houve quem lhe fizesse visitas, houve quem se enervasse e se desentendesse com isto de se fazerem visitas só porque é Natal e é perigoso, coisas de famílias...

O certo é que quem o visitou também levou o COVID-19 de presente para casa. E contaminaram as/os mulheres/maridos e a cadeia de contágio sempre a dar.

Isto não serve para apontar dedos que não adianta encontrar culpados, mas serve para dizer que é incrivelmente fácil ficar doente. Os sintomas começaram no fim do ano, agravaram-se, o teste deu positivo e foi uma ambulância buscá-lo a casa (com parte da família em isolamento e dias mais tarde, doente). Entrou no hospital pela mão de pessoas que não eram da sua família e morreu em 48h.

Sozinho.

Ficar infectado não acontece só aos outros. Esta é uma história próxima e triste que dá que pensar.


Não sei se já estive positiva. Olhando para trás, só desejo que sim!

No fim de setembro a Sirly ficou adoentada, com dores de cabeça, sem paladar e sem cheiro. Foi ao médico e foi-lhe diagnosticada uma sinusite. Torci o nariz, deixou-me hesitante, mas nem disse nada. Não sou médica nem tenho a mania, confiei. Continuou a trabalhar em minha casa, com proximidade diária, a mexer nas nossas coisas, a cozinhar para nós, a tomar conta da Carminho, a dar beijinhos na Carminho... até que o filho da Sirly ficou com febre uma semana depois sem razão aparente. Desconfiámos, fizeram teste e deu positivo.

Não culpo a Sirly de absolutamente nada, sei bem o risco que corria e fui eu que entendi que a vida tinha de continuar. Não mudaria as coisas se fosse agora.

Não se sabe onde foi contagiada, não conhecia ninguém doente, estima-se que tenha acontecido nos transportes públicos. Felizmente, para a ela e para o filho tudo foi tratado em casa sem nada de excepcional, mas esteve seis semanas sem sair, pois na altura aquela coisa de ter alta após 10 dias do início de sintomas ainda não estava em vigor.

Ficar infectado não acontece só aos outros.


Ainda em contexto de Natal, um primo que se casou foi pela primeira vez passar o Natal a casa da nova família. Os cunhados tinham COVID-19 sem saberem. Depois do Natal adoeceram, fizeram teste, deu positivo, avisaram o resto da família. O meu primo e a mulher foram tirar a dúvida e estavam positivos sem sintomas. Felizmente não fizeram contactos depois do Natal e ali se interrompeu a continuidade da cadeia de contágio.

Ficar infectado é incrivelmente fácil e não acontece só aos outros!


Chocou-me este fim-de-semana ver stories de actrizes conhecidas da TV a permanecer num parque infantil, a mostrar os seus filhos pendurados em baloiços e escorregas apinhados de outras crianças e pais lado a lado a conversar de forma animada. Chocou-me ver stories das pessoas populares deste país, influencers da vida, em festas com amigos, as suas conversas que acabaram em printscreens divulgados em grupos de WhatsApp a convencerem-se uns aos outros, a planear como contornar a polícia depois da hora de recolhimento obrigatório, a usarem como argumentação para os hesitantes: "a Maria só teve umas dores de cabeça e perdeu o cheiro". Um nojo, gente com ar na cabeça. Como se o vírus precisasse de mais esclarecimentos quanto ao facto de ser uma roleta russa: o que me toca a mim pode não ser o que acontece contigo.

Esta malta irresponsável e os "médicos das redes sociais", argumentam que a taxa de mortalidade é mínima, mas esta taxa de mortalidade, a estatística, vai sendo calculada com capacidade de atendimento hospitalar do momento. Em suma, deixando de existir hospitais, matemática pura, a taxa de mortalidade não será assim tão pequenina. Fora as sequelas, pois nem tudo é morte, mas pode ser uma vida sem qualidade.

É que uma grande fatia passa pela doença sem sintomas, mas não se esqueçam que cerca de 20% dos infectados precisam de cuidados hospitalares. Em linguagem simples, se somos 10 milhões, se todos ficamos infectados, acreditam que o SNS tem capacidade para atender cerca de 2 milhões de doentes quase em simultâneo?

Sem travões ao COVID-19, nenhum sistema de saúde do mundo tem capacidade para atender 20% da população, não é Portugal que é o bicho-papão. 


Andam a contar mortos de COVID-19, mas há nove dias seguidos que em Portugal morrem mais de 600 pessoas por dia! Isto devia ser tema para a comunicação social abrir telejornais!

O que é que isto significa? Que mesmo quem não tem COVID-19 está também a morrer porque não há capacidade de atendimento. E porque as camas não-covid estão a ser retiradas para covid.

É que até para os negacionistas e destemidos, o problema já não é só fazer parte dos números, neste momento ninguém pode pensar sequer em ter um acidente, cair das escadas, cortar um dedo, ter um enfarte ou um AVC.

Há 9 dias seguidos que em Portugal morrem mais de 600 pessoas por dia, mas desde 2009 só por duas vezes (em dias diferentes, em 2017 e 2018) se tinha ultrapassado a barreira das 500 mortes num só dia. Isto chega para explicar o caos em que nos encontramos?

A fonte desta informação é o Nelson Pereira, médico na linha da frente, de quem sigo os conteúdos com atenção. Este é o homem que vão querer ler para perceber o andamento das coisas. Conheci-o tinha eu uns 26 anos (acho), trabalhávamos no mesmo sítio, é um profissional admirável e de uma gigantesca capacidade de trabalho. Confio plenamente na palavra dele.

De quem é a culpa do estado em que estamos? Não consigo atirar culpas a um governo que tem falhas como têm todos. Não faltava informação a ninguém, a culpa está em cada um de nós. Mas sobre esse assunto recomendo a leitura deste artigo de opinião do meu amigo Pedro Coelho dos Santos que é muito esclarecedor.

Metam-se em casa e não desanimem. Se todos colaborarmos, é mais um mês disto e logo se começará a respirar melhor. Quanto mais rápido, menos se sacrificam os empregos e a economia já de gatas. 

Tornem o tempo em casa útil, há sempre tantas coisas para fazer! E podemos estar uns com os outros na mesma, online. Os laços não se perdem.

Amanhã, dia 21JAN, o cerco vai apertar para tornar as coisas mais sérias para se alinhar com quem compreende a situação e obrigar quem ainda não compreendeu.

Godspeed! 


SHARE:
© A Maçã de Eva

This site uses cookies from Google to deliver its services - Click here for information.

Blogger Template Created by pipdig