Só ontem à noite acordei para a viralidade do menino que acabou por morrer quando a família lhe quis dar vida. A falta de internet tem destas coisas.
Não estou por dentro dos contornos da guerra, sinto-me em profundo desconhecimento para compreender o que se passa verdadeiramente de um lado da guerra e na inacção de outros países, mas tenho andado o verão todo a ver notícias de barcos a chegar pelo Mediterrâneo, abarrotando de pessoas nas piores condições, um risco que para eles valerá a pena correr quando a única opção é ficar. Isto os que chegam vivos. Depois há as notícias de milhares de corpos a flutuar ou fechados em carrinhas de carga, enquanto morrem às dezenas, primeiro um, depois o que estava encostado ao outro no espaço disponível, até morrerem todos na caixa de uma carrinha com um condutor que à frente leva um maço de notas no bolso.
Estou a ler um livro difícil de mastigar: Os bebés de Auschwitz. Durante muito tempo achei que tinha um fascínio por desgraças históricas, como esta dos campos e o 11 de Setembro, para citar alguns exemplos. Mas mais tarde percebi que o meu fascínio é pelas histórias de sobrevivência, de saber mais.
O livro que estou a ler é estranho. É de tal forma macabro que a minha imaginação não consegue acompanhar o que terá sido a vida destes judeus. Fico-me pela leitura, mas sinto que a minha imaginação não consegue imaginar a verdadeira realidade, está longe de cheiros e de ter uma ideia fotográfica das condições desumanas. Mais ainda, não compreendo como tal foi possível, num mundo inteiro cheio de gente. Como foi sequer possível começar, já nem digo chegar àquele ponto.
O livro que hoje leio será o livro que os meus descendentes vão ler daqui a 50 anos, mas relatando histórias de famílias que se meteram num barco insuflável no Mediterrâneo para fugir à guerra. Pessoas que largaram tudo o que tinham, fazendo os filhos correr risco de vida, sem saber se chegavam ao destino, enquanto a Europa erguia muros com arame farpado e lançava cães nas fronteiras. Histórias que vão contar a viralidade das imagens de um menino de três anos largados às ondas de uma praia, de cara na areia como quem dorme.
E então aí será tão motivo de vergonha para o mundo e para os humanos como foi a Alemanha nazi há 75 anos. Pena que também vai ser tarde.