O homem está de férias e eu não, o que torna a vida familiar irritante. Não me interpretem mal, não é um caso de invejite, eu não tenho tempo nem para ter inveja. Mas vejo-o numa serenidade flutuante, pouco reactivo às questões do dia-a-dia que continuam a acontecer num registo que não é de férias.
Pedi que fosse ao meu carro montar o isofix para sair com a criança.
Respondeu aquele clássico "já vou...".
Ao ver que nada acontecia, lembrei novamente.
Todo ele serenidade...
Eu a ver o tempo a passar e a sentir aquele crescendo de calores no corpinho.
Todo ele serenidade...
A paciência a esgotar-se e eu a ver que acabaria por ter de tratar do assunto.
Todo ele serenidade...
- Vou sair daqui a 5 MINUTOS!
- OK, OK... eu vou! Onde estão as chaves do carro?
- Na minha mala.
- Mas onde?
- No corredor.
- Eu sei! Mas a mala está cheia de coisas, podes ajudar-me?!!
"A mala está cheia de coisas". Um homem com medo de lá enfiar a mão e acabar com um membro decepado numa daquelas armadilhas dentadas com que caçam animais indomáveis.
Foi então que vesti o meu fato de super-herói e saltei para dentro da mala.
Evitei os lobos de guarda furiosos saltando de árvore em árvore.
Sobrevivi às piranhas lançando um tronco que me permitiu atravessar o lago de morte certa.
Passei pelas trevas de olhos fechados para que os fantasmas não me sugassem a alma.
Consegui atravessar a floresta de espinhos com algumas mazelas, mas sobrevivi.
Atravessei a centenária ponte de lianas perante o olhar de crocodilos esfomeados.
Cheguei ao nível dos cães raivosos com a chave do carro no meu horizonte.
Corri o mais que pude, quase sentia os cães tinhosos a morderem os meus calcanhares.
Saltei, trepei e muro e ei-la! A chave do carro na minha mão: triunfei!
Só que não. Abri a mala e dei-lhe as chaves em 0,2 segundos.