29.11.17

Um dia mato este gajo #90

Aconteceu esta madrugada.

Eram 02H30 da matina, eu dormia profundamente, o homem ainda mais profundamente, a cria febril estava entre nós e uma cena de gritos acorda-me como um relâmpago. Foi um acordar daqueles que se sente o coração a bater na garganta.

De olhos abertos no escuro, procurei perceber de onde vinham os gritos de terror. Percebi que não era do prédio. Seria de uma das varandas? Não fazia sentido. E então percebi que vinham da rua, junto à entrada do prédio.

Estava preparada para ignorar e virar-me para o lado, mas os berros não paravam. Fechei os olhos para os voltar a abrir de rompante: o meu carro está à porta!

Levantei-me, acordei o homem, expliquei o que estava a acontecer, ele (claro) colocou em causa tudo o que transmiti, vesti o roupão dele e fui à varanda.

Vivo num andar para o alto, olhei para baixo sem grande sucesso, não tinha lentes e não vejo nada ao longe. Percebi que havia um carro torto e parado no meio da rua, luzes ligadas e portas escancaradas, um homem deitado no chão e outros dois aos gritos com ele que pareciam apontar uma arma.

Voltei para trás, vejo muitos policiais e os meus olhos ao longe não são de fiar. Fui buscar os óculos, voltei à varanda e... medo! Foi olhar e puxar o corpo para trás para o encostar à parede e arrastar-me até à porta para voltar a entrar em casa. Eram mesmo armas. Nisto ouvi barulhos de rádio típicos de bombeiros ou polícia, pelo que me pareceu que fossem polícias à civil, mas não tinha a certeza.

Ora, eu vivo numa zona em que a pior coisa que acontece é a criança que cai do triciclo ao fim-de-semana e esfola um joelho. Ou os miúdos que tocam à campainha e fogem.

- PAM! PAM! Têm uma arma!

Lá se dirigiu o homem para a varanda, eu a perguntar-lhe o que estava a fazer, eu a dizer-lhe para parar, ele armado em velha alcoviteira dizendo que já voltava e pronto, tive de o deixar espreitar.

Uma pessoa pensa que ele vai ver com os próprios olhos para crer, mas não. Estamos a falar do PAM, portanto o desenlace da situação nunca pode ser uma coisa normal.

No meio da escuridão da noite, do alto da varanda, de pijama às riscas, homens armados a uns metros, ouve-se a voz do PAM acompanhada de um aceno:

- BOA NOITE! Está tudo bem?

Nãaaaaaaao! É por isto que algumas mulheres ficam viúvas.

Avaliemos o comportamento Rocky VI:

1) O PAM é um indivíduo que nunca perde a educação, introduz o contacto cumprimentando os presentes (homem estendido no chão e homens com armas) com um "boa noite!". É o orgulho da família.

2) O "boa noite!" é acompanhado de um aceno, um "olá", aquela cena universal que usamos para dizer "venho em paz" e que esperamos que tenha o mesmo significado em culturas diferentes. Ainda assim, estou em crer que por mais simpatia que tenha, não há votos de um bom serão ou acenos que nos salvem de uma bala.

3) O PAM estava despenteado e com um pijama de riscas azuis e brancas, coisas finas de algodão egípcio que a mãe lhe compra no El Corte Inglés o que, juntando à abordagem "BOA NOITE! Está tudo bem?, a única coisa que as pessoas conseguem proferir deve ser: "quem é este gajo?".

4) Acho que o "está tudo bem?" é coisa de gente com bom coração, vê-se logo que ele é boa alma, tem bom fundo. Rocky VI do alto da varanda vê um homem estendido no alcatrão de cara para baixo, devem estar 10ºC na rua, há gajos nervosos de armas na mão que gritam tanto que não se percebe nada, é evidente que "está tudo bem". Eu diria mesmo, está tudo impecável!

5) O PAM é daquelas pessoas que acha que um contacto simpático resolve muita coisa. O que é verdade, mas não sei se resolve uma situação que envolve armas.

No fim de contas, o homem estendido no chão preparava-se para levar um Mercedes estacionado ao lado do meu carro e foi apanhado por polícias à paisana que, imagino, estavam a segui-lo.

Lições a retirar

1) Tenho muita pena de não estar ao lado dele na varanda par lhe enfiar uma lamparina.
2) Nunca confiar ao PAM situações limite. A família está em maior segurança se for eu a gerir.
3) Nada como ter um carro de 2005 com mossas numa das portas, ninguém o quer.

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© A Maçã de Eva

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